Kim ou Trump. Quem está por cima no sapateado coreano?

O governo americano sofre com as indecisões provocadas pelas três opiniões divergentes no seu interior. Kim está mais seguro, mas dá sinais de sofreguidão. 

A cimeira entre os líderes norte-americano e norte-coreano tem propriedades parecidas com as do gato de Schrödinger. Está viva e morta em simultâneo. Donald Trump cancelou-a quinta-feira, na sexta voltou atrás, embora com suavidade, e, este fim de semana, deu um passo mais viçoso em frente. No sábado à noite garantiu que os dois países estão em diálogo e tentam, por estes dias, remendar o percalço que ele próprio causou.

A cimeira é de novo plausível. Ao final da tarde deste domingo, “Washington Post” e Reuters revelavam que uma delegação americana liderada pelo embaixador dos Estados Unidos nas Filipinas cruzara a fronteira com a Coreia do Norte para se encontrar com a elite do regime. Há uma outra equipa de americanos em Singapura, preparando os detalhes de uma cimeira que ninguém sabe dizer ao certo se é hoje mais provável que improvável. Ou vice-versa.

O processo diplomático com a Coreia do Norte assemelha-se a um sapateado confuso. Washington e Pyongyang, a tempos, assumem o papel de agressor e hostilizado, estratega vencedor e impulsivo derrotado. Há motivos para crer que é Kim Jong-un quem começa esta semana com mais trunfos na mão que o presidente americano. Também é possível, no entanto, dizer o contrário.

Oferecemos um exemplo: a resposta dócil de Kim às manobras de Donald Trump, assim como o seu encontro surpresa com o presidente sul-coreano, este fim de semana, sugerem que o seu regime precisa, mais do que deseja, um entendimento com Washington. Mas demonstra também como os avanços e recuos do presidente americano apenas melhoraram as relações entre Norte e Sul – um problema para a frente unida de pressão a Pyongyang.

O processo diplomático com a Coreia do Norte permite pensar em vários desfechos em simultâneo. Historicamente, é a confusão, não a lucidez, que domina as relações com Pyongyang. O lado americano oferece habitualmente mais nitidez. Ou ofereceria, excetuando o fator Trump. No sábado, o presidente insultou uma vez mais o “New York Times”, retaliando contra uma reportagem na qual a publicação descreve as disputas internas no seu governo relacionadas com a estratégia norte-coreana.

O novo conselheiro para a Segurança Nacional, John Bolton – que defendeu recentemente um ataque preventivo a Pyongyang –, procura convencer Trump a não oferecer benefícios económicos até que Kim entregue, em breve, todas as armas e mísseis. O secretário da Defesa, Jim Mattis, defende uma negociação de anos com o Norte. E o novo secretário de Estado, Mike Pompeo, quer que o presidente seja mais flexível nos termos oferecidos a Kim. Nos avanços e recuos de Trump é possível vislumbrar as três posições.

Não é possível decifrar o regime norte-coreano. Tão-pouco saber com que urgência procura o alívio das sanções – há mais escassez que no ano passado, mas o país, ainda assim, cresce entre 1% e 5%. É possível, apesar de tudo, discernir em Kim um novo estatuto mundial.

É essa, talvez, a opinião mais comprovável. No encontro-relâmpago de sábado com o presidente sul-coreano, o ditador do regime eremita parecia mais determinado que o presidente americano. “Kim alinhou a mais drástica mudança de imagem em apenas alguns meses”, explica ao “New York Times” Lee Sung-yoon, professor de Estudos Coreanos na Universidade Tufts. “Passou de pária a chefe de Estado, de desvairado a um líder gracioso e bem preparado que sabe o que está a fazer.”