PS. O batismo de um sucessor antes da reforma do líder

O pedronunismo já existia, mas foi consagrado no espaço público e no congresso. Pedro Nuno Santos está contra o centrismo e moderação que Costa quer agora para o PS

Uma nova corrente socialista, o “pedronunismo”, foi batizada este fim de semana no congresso da Batalha. Quem conhece os bastidores do PS sabe que há anos que Pedro Nuno Santos, secretário de Estado dos Assuntos Parlamentares e ex-líder da JS, tem a ambição de disputar a liderança do PS depois de Costa se ir embora. Ele quer, tem tropas espalhadas por todo o país e tem um rumo definido: alianças com a esquerda, nada com a direita. E se o que se viu no congresso for um termómetro capaz de medir a temperatura do futuro, Pedro Nuno Santos pode, de facto, ter o partido a seus pés. 

É isto normal? É, pelo menos, novo. Quem discute a sucessão publicamente quando o secretário-geral é primeiro-ministro e pode estar à beira da maioria absoluta? Não aconteceu no passado, está a acontecer no presente. Se todas as correntes que construíram o PS pós-Soares – sampaismo, guterrismo, socratismo, segurismo e até costismo – se foram desenvolvendo na sombra, o pedronunismo está agora a crescer em público. 

Foi o discurso de Pedro Nuno Santos o que mais empolgou o congresso e evidentemente que Pedro Nuno saiu dali eufórico. Quando um jornalista da SIC lhe perguntou se achava que teria o apoio dos socialistas para liderar o PS no futuro, Pedro Nuno respondeu sem dúvidas: “Se viu a reação do congresso, de certeza que não teria de me preocupar com isso.” Depois, eventualmente sentindo que tinha ido longe demais, acrescentou: “Se eu tiver essa ambição.” Mas toda a gente sabe que a tem e ele raramente a disfarça. 

Talvez Costa, que não ignora que Pedro Nuno quer ser o seu sucessor, tenha ficado surpreendido pelas proporções que o pedronunismo tomou neste congresso, estando o secretário–geral e primeiro-ministro vivo, de boa saúde e em busca da maioria absoluta. 

Provavelmente foi essa a razão que levou Costa a “anunciar” no discurso de encerramento que “não meteu os papéis para a reforma”, enquanto fazia em simultâneo um elogio à nova geração do partido: “Vejo no futuro a aproximar-se uma nova geração com um enorme potencial, qualidades políticas e técnicas, para poder seguir com as bandeiras do PS em punho.” Só podia ser um recado para o pedronunismo, já que os outros potenciais candidatos à sucessão – Fernando Medina ou Ana Catarina Mendes – não tiveram o mesmo impacto e seguiram religiosamente a cartilha do líder montada para este congresso. 

Aliás, Costa baralhou-se quando foi desafiado pelas televisões a comentar o discurso de Pedro Nuno Santos. Primeiro, quis fugir às câmaras, mas quando um jornalista lhe pergunta diretamente se “não quer comentar Pedro Nuno Santos”, o primeiro-ministro tem um lapsus linguae e atrapalha-se: “Claro que comento. O Pedro Nuno Santos é o meu secretário-geral adjunto.” Na verdade, não é. Quem ocupa esse posto é Ana Catarina Mendes.

A divergência política

O batismo público da nova corrente foi desencadeado por uma questão política. Pedro Nuno Santos diverge de António Costa e Augusto Santos Silva, que querem recentrar o PS para as próximas eleições. 

Essa tentativa de recentramento e “desesquerdização” do partido foi patente nos dois discursos de António Costa e na maioria dos dirigentes de topo do PS, apostados em ignorar os parceiros de esquerda e mostrar que não há nada de novo neste PS, que é simplesmente o PS de sempre – até António José Seguro, que há quatro anos Costa enfrentou por, alegadamente, “pensar como a direita”, foi recuperado pelo secretário-geral em conjunto com toda a história do partido. A viragem à esquerda nunca existiu. 

 A mudança é visível a olho nu. Costa maquilhou o PS para que neste congresso deixasse de ser “esquerdizante”, mas novamente moderado e centrista. Se, no último congresso, tanto o PCP como o Bloco de Esquerda foram aplaudidos com entusiasmo, este fim de semana nem sequer foram nomeados. Os partidos que levaram o PS ao governo da República passaram, em apenas dois anos, à categoria dos impronunciáveis. Nem sequer desta vez Pedro Nuno Santos os nomeou expressamente – embora tenha subido ao palco para dizer que, com a direita, o (seu) programa do PS é impossível de realizar. 

É a mudança de rumo de António Costa que Pedro Nuno Santos contesta. Ele quer prosseguir o diálogo à esquerda no futuro e não se sente confortável com a iminente rutura com a geringonça, eventualmente depois das legislativas. Costa abre todas as portas: a prioridade é a maioria absoluta mas, com Rui Rio disponível para dar o seu apoio parlamentar a um governo PS minoritário, o futuro a Deus pertence. Esta é a nova estratégia de Costa, se não conseguir a maioria absoluta. A situação política mudou radicalmente e os “parceiros de esquerda” parecem hoje facilmente dispensáveis. 

Atenção, não é radicalismo

Pedro Nuno Santos não se conforma: “Não é com o PSD ou com o CDS que vamos proteger o sistema público de pensões. O mesmo com a educação, o mesmo com a saúde. Caros e caras camaradas, isto não é populismo, isto não é radicalismo, isto é ser socialista!”, disse ao congresso, que se levantou para o aplaudir entusiasticamente de pé.

Se Pedro Nuno Santos está hoje mais desconfortável do que há dois anos, Francisco Assis sentiu-se finalmente de regresso a casa. Há quatro anos, na consagração de Costa, tinha abandonado o congresso em protesto pelo excesso de esquerdismo que transbordava dos discursos. Há dois anos foi veemente no seu combate à solução política encontrada – governar com o apoio do PCP e do Bloco de Esquerda -, a que se tinha oposto desde o primeiro dia. Agora está feliz ao ver que Costa confirma que o esquerdismo foi a sua doença infantil de jovem líder em construção.

Assis está de novo de acordo com a estratégia de Costa: “O PS deve ter uma ambição clara de voltar a ser o maior partido no parlamento, seja com maioria absoluta – que é muito difícil – ou maioria relativa. E, a partir daí, negociar à sua esquerda e à sua direita. Há matérias mais fáceis de negociar à esquerda e outras mais fáceis de negociar à direita”, disse o eurodeputado e figura cimeira de uma oposição interna a caminho de deixar de ter razões de queixa. 

Voltará Assis à comissão política do PS, da qual se autoexcluiu por causa das divergências políticas? É muito provável que sim. O vento mudou. Talvez o segurismo, ao contrário do que dizia dantes Costa, nem pensasse assim tanto como a direita. Afinal, este PS, como disse o líder, é o mesmo PS de sempre.