Souto de Moura, o Leão de Ouro

Do montado alentejano para a Bienal de Arquitetura de Veneza, de Veneza para o mundo com o Leão de Ouro. Eduardo Souto de Moura venceu o prémio mais importante nesta 16.ª edição da exposição

Não houve nenhuma instalação complexa, nem barulho de meios audiovisuais, nem maquetes com mais ou menos pormenor. Bastaram duas fotografias aéreas, lado a lado, de encontro a uma parede de tijolo. A de esquerda mostrava a herdade de São Lourenço do Barrocal antes de Souto de Moura lhe dar nova vida; a da direita, São Lourenço do Barrocal já reabilitada. Foi assim que Eduardo Souto de Moura escolheu mostrar o projeto que, este sábado, lhe deu o Leão de Ouro da Bienal de Arquitetura de Veneza: a reabilitação do dito monte alentejano, um lugar cheio de História. E para a posteridade ficará também esta vitória: o Leão de Ouro para o melhor participante individual, um dos mais importantes prémios de arquitetura no mundo. Já o Leão de Ouro para a melhor participação nacional – havia 65 países a concurso – foi atribuído à Suíça.

A organização da 16.ª edição da Bienal de Veneza, onde Souto Moura tem também uma capela de Pedra, no Pavilhão da Santa Sé, elogiou tanto o projeto como a forma de o apresentar – as tais duas imagens –, enaltecendo a “precisão do combinar duas fotografias aéreas, com as quais revela a relação essencial entre arquitetura, tempo e lugar”.

Visivelmente feliz, o arquiteto – um dos 100 arquitetos convidados pelas curadoras da Bienal da Arquitetura de Veneza, Yvonne Farrell e Shelley McNamara, do Grafton Architects – reagiu assim ao prémio. “É mais uma [distinção], estou contente pela arquitetura portuguesa, que cada vez é mais reconhecida nos sítios que exigem mais qualidade”, disse à Lusa, sublinhando que não é um cavaleiro solitário neste caminho do reconhecimento. “Isto tudo vem de uma tradição do Siza [Vieira], do [Fernando] Távora e de outros arquitetos”.

O arquiteto assumiu também que este foi “um projeto muito difícil” porque tinha sido “radical”. “Já fiz outros projetos mais modernos, mais antigos, este era a procura de um tom que não destruísse o ambiente do edifício e da paisagem. É um projeto de risco, porque estava quase no limite do ‘pastiche’ [obra em que se imita declaradamente o estilo de outros], era uma imitação do antigo”, disse.

São Lourenço do Barrocal, nos arredores de Monsaraz, é hoje, segundo se lê no site oficial da herdade, um complexo turístico marcado pelo “luxo despretensioso”, com uma área total de 7.8 milhões de metros quadrados – 780 hectares.

Souto de Moura teve o mérito de moldar o presente sem macular a memória, mas também é verdade que São Lourenço do Barrocal tinha matéria fecunda para o arquiteto explorar. Por exemplo e só neste território, cuja ocupação remonta à época megalítica, é possível encontrar 16 dólmenes neolíticos. Já os barrocais que dão o nome à herdade são, na verdade, “floramentos graníticos que pontuam a paisagem e que representam uma das características naturais mais monumentais do Alentejo”. Por ali passaram depois romanos e árabes e, no século XIX, a propriedade – que se mantém ainda hoje nas mãos da mesma família – transformou-se numa “pequena aldeia agrícola”, onde chegaram a residir 50 famílias. Havia uma capela, praça de touros, sala de aulas, um verdadeiro ecossistema de um outro tempo que Souto de Moura foi convidado – por José António Uva, a oitava geração da herdade e a cabeça por detrás do projeto – a traduzir: primeiro, para os dias de hoje; depois para retiro rural. São Lourenço do Barrocal abriu ao público há dois anos, foi o primeiro completo turístico de cinco estrelas na zona do Alqueva e é amplamente descrito na imprensa nacional e estrangeira como um sítio imperdível.

A participação portuguesa A 16.ª Exposição Internacional de Arquitetura da Bienal de Veneza pode ser visitada até novembro e há muito para ver para lá da exposição principal.

No pavilhão de Portugal deste ano, intitulado “Public Without Rethoric” – e que tem como curadores Nuno Brandão Costa e Nuno Mah –, podem ser vistos os projetos de 12 edifícios públicos criados por arquitetos portugueses de várias gerações, nos últimos dez anos, juntamente com filmes de quatro artistas sobre os mesmos edifícios. A Biblioteca Pública e Arquivo Regional de Angra do Heroísmo, de Inês Lobo; o Hangar Centro Náutico, em Montemor-o-Velho, de Miguel Figueira ou o Teatro Thalia, em Lisboa, de Gonçalo Byrne e Barbas Lopes Arquitectos (Diogo Seixas Lopes e Patrícia Barbas) são apenas alguns exemplos.

Uma geração na qual o novo Leão de Ouro deposita muita esperança e define como “excecional, quer no Porto, quer em Lisboa”. Só lhes falta algo que o próprio Souto de Moura reconhece ter cada vez menos: tempo. “Os clientes pedem os projetos para ontem, não há tempo, e a falta de tempo é um convite à mediocridade”, disse à Lusa. “Portanto gostava que este projeto [do Barrocal], que demorou algum tempo, o tempo justo, servisse de receita a outros projetos que pedem a uma velocidade que não é possível fazer”.

Prestígio Marcelo Rebelo de Sousa foi um dos primeiros a reagir à vitória deste prémio “com grande prestígio em Portugal e com enorme prestígio lá fora. Isto faz muito bem à nossa alma de portugueses”, afirmou. “Para nós é uma honra, é um motivo de orgulho e sobretudo é uma aposta no futuro, tal como Siza Vieira, também Souto Moura está muito virado para o futuro. Tem grandes obras e ainda hoje foi anunciada uma obra importante e simbólica que é aquela que vai testemunhar, em memorial, a tragédia de junho do ano passado”, acrescentou o Presidente da República.

Eduardo Souto de Moura junta-se assim, mais uma vez, a Siza Vieira, que já ganhou dois Leões de Ouro – um por participação individual, outro de carreira. Também já foram ambos distinguidos com o Pritzker – são, aliás, os únicos portugueses que o conseguiram.