Brasil. Temer rende-se. Os camionistas não

Governo autoriza muitas das exigências dos grevistas, mas a paralisação continuava ontem em centenas de cidades. O protesto tem metástases.

Ao sétimo dia, Michel Temer cedeu. Ao oitavo, muitos dos camionistas brasileiros ignoraram-no e prosseguiram com a greve com que esgotaram o combustível nas gasolineiras, encerraram vários aeroportos, tiraram fruta, legumes, iogurtes e outros alimentos perecíveis dos supermercados, deixaram vários hospitais sem material médico e, de acordo com o governo, adiaram transplantes urgentes de órgãos. E isto, em parte, porque a greve sofreu metástases: muitos pedem agora a saída de Temer e o fim de um dos mais impopulares governos da História recente do Brasil.

 O executivo demorou a perceber a gravidade da paralisação de camionistas iniciada há oito dias. O Brasil é um dos países modernos mais dependente dos transportes rodoviários. Cerca de 90% das deslocações de passageiros dão-se por estrada e uns 60% dos transportes de carga também. A greve eclodiu com a notícia de que o preço dos combustíveis vai aumentar, mas alimentou-se por outras razões: os brasileiros não entendem por que é que um dos principais exportadores de petróleo não aguenta os preços num período de crise.

 A paralisação é tanto pelos direitos laborais dos camionistas como contra o desamparo político nacional. Ontem, por exemplo, não era raro encontrar-se nas bermas e filas de trânsito a mais radical das reclamações: uma intervenção militar para o regresso dos generais ao poder.

 No domingo, Temer cedeu em quase tudo. Prometeu uma redução de 0,46 reais no preço do diesel – 13 cêntimos de euro –, anunciou uma tabela de remuneração mínima para os camionistas, o emprego de 30% dos trabalhadores independentes na Companhia Nacional de Abastecimento e o fim dos custos de viagem a camiões que seguem sem carga. O aumento no preço dos combustíveis ficará também congelado por 60 dias e, daqui em diante, será anunciado pelo menos com um mês de antecedência. No entanto, ontem havia centenas de camiões paralisados.

 O governo, em desespero, pede “patriotismo” e mobiliza a Força Aérea para transportar medicamentos.

 Em parte, os grupos grevistas dizem que o congelamento de 60 dias no aumento dos preços é insuficiente. Outros afirmam que deram ordens para os seus trabalhadores voltarem ao trabalho, mas que a greve se tornou tão horizontal que muitos desobedecem. Os restantes dizem que ainda estão a analisar as propostas de Temer. Ontem registavam-se algumas melhorias na circulação, mas o panorama ainda é negro.

 Algumas gasolineiras em São Paulo, Brasília e Rio, por exemplo, tinham ontem combustível para vender pela primeira vez em vários dias. Mas são poucos e têm todos filas de várias horas. Oito aeroportos continuavam ontem fechados e os transportes públicos em São Paulo funcionavam apenas a 60%.

Atrelando-se à contestação, vários movimentos da esquerda brasileira convocaram para ontem à noite manifestações de apoio aos camionistas.