Telemóveis, Facebook e atrasos. O debate visto a partir das galerias

As galerias do parlamento encheram-se para o debate sobre a despenalização da eutanásia. Alguns espetadores desistiram a meio e, no final, não houve grandes expressões de contentamento

O debate durou mais de três horas e houve quem não conseguisse esperar pelo fim. Maria da Glória foi uma das que desistiram a meio. Cansada, efeito da doença de Addison – uma patologia muito rara, degenerativa –, mas sobretudo “desiludida” com o comportamento dos deputados. “É que isto são assuntos muito sérios”, vai explicando enquanto atravessa os corredores de acesso às galerias, devagar e apoiada numa canadiana. Tem 70 anos, 18 a conviver com o diagnóstico, e foi a primeira vez que assistiu a um debate parlamentar ao vivo. Diz que veio para apoiar o não e confessa que não imaginava que no hemiciclo houvesse “tanto entra-e-sai e tanto barulho”. “Reparou, por exemplo, que quando aquela senhora dos Verdes começou a falar foram-se tantos embora?”, pergunta, antes de desaparecer num dos elevadores da Assembleia da República.

Joana Silva, que se sentou perto de Maria da Glória, preferiu ficar até ao fim do debate e deu “a cara pelo sim” – apesar de também ter uma enfermidade rara e degenerativa. Viu o pai a definhar, “a morrer todos os dias um bocadinho mais”, com a doença de Huntington, que herdou. Tem 37 anos e diz que quer morrer “com dignidade” e sem “precisar de emigrar para a Suíça aos 50 anos”. Ouviu tudo o que se dizia no hemiciclo, mas a meio do debate também era o rosto da desilusão. “Que direito têm estas pessoas de dizerem que não posso morrer?”, pergunta.

Talvez a visão das galerias para o hemiciclo tenha contribuído para o desapontamento de quem pela primeira vez visitou o parlamento. Poucos – ou mesmo nenhuns – deputados resistiram à tentação dos smartphones durante a votação. Nem mesmo Assunção Cristas, sentada na primeira fila da bancada do CDS e que esteve especialmente calada durante o debate. Muitos deputados chegaram atrasados, outros foram andando por entre as bancadas, como João Soares, indagando algo, depois de ter sido avistado nos corredores da assembleia, ao final da manhã, a fazer uma espécie de visita guiada em francês a uma minicomitiva de estrangeiros.

Três deputados do PSD nem sequer chegaram a fazer login nos computadores. Mariana Mortágua, do Bloco de Esquerda, só ligou o PC já a meio do debate. Deu uma vista de olhos pelo email e espreitou a correr o Facebook. Duas filas mais atrás, a irmã trocou mensagens via WhatsApp. Na última fila do hemiciclo, Constança Urbano de Sousa, de vestido azul escuro, conversou animadamente com Ana Catarina Mendes e Sérgio Sousa Pinto. Mas assim que Heloísa Apolónia começou a apresentar o projeto de lei d’Os Verdes, o trio levantou-se, com os maços de tabaco na mão, e saiu, provavelmente para fumar. A antiga ministra da Administração Interna só regressou muito mais tarde, já a meio de uma intervenção do CDS.

Na zona dos fumadores, o tema de conversa dos deputados era, inevitavelmente, a contagem de votos. “A tua bancada está muito mais condicionada do que a minha”, dizia um deputado. “Isso não é verdade”, respondia uma deputada, que pouco depois revelava que “80% dos portugueses são contra a despenalização da eutanásia”. “Mas que sondagem é essa?”, devolvia-lhe o colega.

No bar do piso do hemiciclo, a conversa era mais ou menos semelhante. Carlos Abreu Amorim, do PSD, discutia com alguns colegas as apresentações e quem poderia votar como. Por essa altura, já Hugo Soares, também do PSD, estava instalado na última fila da bancada, chegado com 50 minutos de atraso, mais ou menos ao mesmo tempo que o sindicalista Mário Nogueira arribava, sozinho, às galerias – onde o apresentador José Carlos Malato já assistia atentamente a tudo o que era dito pelos deputados.

No hemiciclo, o deputado Renato Sampaio dava atenção a dois telemóveis ao mesmo tempo. E Rocha Andrade, sentado ao lado do ex-secretário de Estado da Administração Interna Jorge Gomes, fazia scroll no Facebook. Já Jorge Gomes entretinha-se a ver uma galeria interminável de fotografias do último congresso do PS, na Batalha, com a cabeça apoiada na mão esquerda e a mão direita em cima do rato do computador. Mais tarde, já o debate ia avançado, Rocha Andrade também passou os olhos pelas mesmas fotografias.

Google Maps e atrasos Visto do lado de quem se senta nas galerias, o Facebook parece ser das páginas mais consultadas pelos deputados. Seguem-se os emails, o Google e sites de jornais portugueses. Também houve quem procurasse moradas no Google Maps e quem tenha aproveitado as intervenções para apagar toneladas de correspondência eletrónica. Num momento, a deputada do PSD Rubina Berardo usou o telefone fixo e ligou a André Silva, a menos de um metro de distância. Desligaram pouco depois, ligeiramente divertidos.

O debate – sempre morno – preparava-se para terminar quando, dez minutos antes da verificação de quórum necessária para iniciar as votações, entrou um grupo de meia dúzia de deputados do PSD, entre eles Marco António Costa e Matos Correia. “Vieram só mesmo para votar”, comentou-se nas galerias.

Os projetos de lei caíram por terra e, a seguir à votação, quem assistia não expressou grande emoção. Joana Silva encolheu os ombros e tentou sorrir. Em menos de cinco minutos, as galerias ficaram vazias. Por essa altura, Mariana Mortágua subia uma das escadarias da Assembleia da República. A meio cruzou-se com duas conhecidas. “O PCP voltou a portar-se mal, ao lado do CDS”, disse uma delas. A deputada do Bloco de Esquerda deu-lhe um abraço. “Um dia há de passar”, respondeu.