Velhas Bonitonas. Uma exposição que celebra as rugas

Há dois anos, a artista plástica Maria Seruya lançou o projeto “Velhas Bonitonas”, que agora expõe pela primeira vez no Museu da Carris. Mas quem são elas? O que nos ensinam? Fomos até lá e encontrámos uma exposição sem liftings

“Tenho quase a certeza de que conheço esta senhora”, disse esta repórter assim que bateu com os olhos num dos quadros de Maria Seruya. Palpite altamente improvável: é que aquelas velhas bonitonas que estão pela primeira vez em exposição no Museu da Carris (só até à próxima terça-feira, 5 de junho) não são ninguém – mas são muita gente. Isto porque é em todas as rugas por detrás de todas as histórias que a artista plástica encontra inspiração para este projeto ao qual se dedica há dois anos.

Maria nem sabe precisar bem de onde lhe veio este ímpeto que, entretanto, mais do que um projeto plástico, se transformou numa espécie de bússola. Já a data é mais fácil: 2016. “Foi muito espontâneo, não foi um projeto premeditado. Só sabia que queria fazer algo que me inspirasse e havia alguns temas que queria tratar”. Sentou-se num café e assim que decidiu ir ao encontro das rugas o próprio nome do projeto aflorou-se de rompante, sem dar espaço a nenhum outro. “Pensei logo em Velhas Bonitonas e nunca lhe consegui chamar outra coisa”, diz.

Também as imagens, como os nomes, surgiram naturalmente. E a tal senhora que nos pareceu familiar é, provavelmente, uma memória pessoal mas que, diz Maria, muitas pessoas sentem na exposição. “Há imensa gente que vem cá e que diz exatamente isso, que conhece esta ou aquela mulher”.

Mas na verdade a artista diz que nenhuma das ‘bonitonas’ tem biografia. “Parto de olhares, de inspirações que me vêm em qualquer sítio e que sinto que quero passar para a obra. Mas, depois, a partir do momento em que começo com um olhar ou emoção, o resto acontece muito no desenho. E eu própria quando as faço não estou a pensar em ninguém mas, quando termino, lembro-me desta ou daquela pessoa”.

E não só: pensa que são projeções de si própria, por isso não hesita quando lhe perguntamos (Maria nasceu em 1980) que velha será. “Serei três”, diz-nos, indicando três quadros. O primeiro, mostra uma velha a rir à gargalhada. O outro, uma mulher pierrot que chora sabe-se que lá que agruras da vida (e, afinal, não as saberemos todas de cor?). A terceira, da série de nus dourados, tem um quê de loucura.

Para esta exposição, a artista plástica – que prefere papel, por ser “mais difícil de apagar” – optou por algumas telas para encher o espaço: a carpintaria do Museu da Carris onde ainda hoje se trabalha a madeira e onde também funciona um atelier de restauração. “Quando vim visitar o espaço percebi que precisava que a escala dos meus trabalhos fosse maior, no início comecei por pintar A5 e não poderia trazer essa quadros, iam perder-se aqui”, conta. Assim nasceu uma nova série de velhas, ora divertidas, ora sorumbáticas, ora sofridas. Umas dialogam umas com as outras nas paredes, outras olham-nos diretamente. “Assim que as comecei a criar lembrei-me logo de um mote: ‘Ousamos ser quem queremos sem complexos nem culpas”, explica, dizendo que é um ponto de partida que usa em quase todos os quadros. “São mulheres livres, com atitude”.

A premissa é igual mas Maria Seruya resolveu dividir a exposição em três momentos: num primeiro, as velhas bonitonas não dispensam batons, são extravagantes, fashionistas e sabem que estão a ser olhadas. Segue-se a série com as tais velhas sobre um fundo dourado, acrílico, pintadas com carvão. “Não há um único brinco, maquilhagem. Estão nuas e em bruto, vulneráveis, numa seriedade com atitude”. Passamos para ‘as árabes’, fruto de uma passagem por Marrocos que fez mossa na artista – tanto que está a aprender árabe. Maria diz que não sabe como receberiam as mulheres árabes esta sua interpretação. “Era engraçado expor lá mas não sei como iam reagir – mas eu dei-me muito bem com a cultura”.

No meio de tantas velhas, há espaço para um velho bonitão que Maria pintou após a mesma viagem a Marrocos, inspirado num ancião que conheceu numa aldeia berbere. Neste caso usou uma técnica mista: até colou areia do Saara no fundo do quadro que reverte a favor da associação Cabelos Brancos, que luta contra a discriminação da idade. A exposição completa-se com um conjunto de telas, feitas a partir de desenhos que a artista já tinha feito anteriormente.

A exposição “Velhas Bonitonas” tem sido visitada por gente de todas as idades (e os quadros estão quase todos vendidos). “Ainda noutro dia esteve cá uma senhora com mais de 80 anos que até se sentou comigo à conversa a partilhar as suas vivências”, conta. Mas o feedback vem também através das redes sociais. “Sinto uma comunicação com o público que me dá uma energia brutal. Primeiro, claro, por perceber que gostam do meu trabalho, depois por sentir que as pessoas se sentem bem com elas próprias ao vê-lo”. E essa mensagem chega também de pessoas mais jovens. “A partir dos 30. Diria que a partir do momento em que alguém tem rugas. Porque é a partir dessa altura que se tem vivências, o que torna a maneira de estar de cada uma de nós mais forte, descontraída, mais livre, sem complexos”.

Maria diz que sabe que há pessoas que envelhecem – de cabeça – mal. Por isso, diz, esta é a sua forma de puxar pelo “envelhecimento bem vivido”. “As rugas são bonitas, as rugas são a nossa história. Acho que têm uma beleza que não é perfeita, mas muito mais real e muito mais forte”. E será que a nossa sociedade já vê isso assim? “Nada! Há um preconceito enorme, quer em relação ao envelhecimento quer em relação à beleza, ou falta dela”.

Por isso, telas à parte, este projeto já começou a pintar outras redes. “À medida que fui fazendo o meu percurso, fui percebendo que podia fazer algo contra o preconceito do envelhecimento feminino na sociedade e usar as “Velhas Bonitonas” para partilhar coisas importantes”. Hoje, juntamente com a fundadora da associação Cabelos Brancos, Luísa Pinheiro, faz workshops de preparação do envelhecimento, vai fazer em breve uma pós-graduação ligada ao envelhecimento e psicologia e, no futuro, gostava de levar o projeto a lares e até, quem sabe, fazer terapia com arte. Ideias, também elas, bonitonas.