Campanha anti-tabagismo do Ministério da Saúde gera indignação

Isabel Moreira fala de mensagem misógina. UMAR condena “campanha culpabilizante das mulheres” e apela a reclamação para tirar o filme do ar e das escolas 

Não foram precisas 24 horas para a polémica estalar. A nova campanha de luta contra o tabagismo lançada pela Direção Geral da Saúde, produzida com o intuito de alertar para o aumento do consumo de tabaco por parte de jovens mulheres, está a gerar críticas de movimentos feministas e Isabel Moreira é um dos rostos da indignação. A deputada socialista fala de uma campanha misógina e pede que o Ministério a retire do ar.

Em causa está uma curta-metragem com o título “Opte por Amar Mais”, que relata o drama de uma mulher diagnosticada com cancro do pulmão e o exemplo que esta deu à filha ao longo da vida, agora no fim. 

O filme, da autoria de alunas da Escola Profissional de Artes, Tecnologias e Desporto, é protagonizado pela atriz Paula Neves e está associado a mensagens como a de que, a cada 50 minutos, um aniversário deixa de ser festejado por causa do tabaco.

No filme, a mulher diagnosticada com cancro do pulmão continua a fumar mesmo num estado muito debilitado, dependente de uma botija de oxigénio. Logo no início é confrontada por um homem, aparentemente o companheiro, que a censura por, depois de todo o mal que o tabaco lhe fez, continuar a fumar e lhe pede para sair do quarto porque a filha precisa dela. 

Surge então a figura da filha, a fingir que está a fumar com um cigarro na mão. É essa cena que faz a mulher apagar o cigarro e começar a evocar momentos felizes da vida em família em que o tabaco esteve presente. “Promete-me que vais ser sempre a minha princesa e lembra-te: uma princesa não fuma”, diz no fim a mãe.

“Espero que o Ministério da Saúde retire a campanha, que é uma campanha misógina e culpabilizante das mulheres”, disse Isabel Moreira à agência Lusa, numa das primeiras reações públicas de crítica após a apresentação da curta-metragem, que será exibida nos cinemas na sequência de um protocolo entre a Direção-Geral da Saúde e a NOS Cinemas.

Esta quinta-feira a associação UMAR – União Mulheres Alternativa e Resposta emitiu um comunicado onde diz ser inaceitável “uma campanha culpabilizante das mulheres e que reproduz estereótipos de género”. Para a associação, “nem sempre um (bom) fim justifica os meios utilizados”. Segundo a UMAR, “o conteúdo do filme, presente quer nas palavras ‘Uma princesa não fuma’, no remate final do filme, ditas por uma mãe, mulher fumadora com cancro terminal, à sua filha, quer no título da campanha ‘Deixe de fumar. Opte por amar mais’, não justificam de forma alguma o seu fim”. 

A associação afirma não conseguir compreender como é possível a disseminação de estereótipos de género e culpabilização numa campanha nacional, separando-se “as mulheres boas, não fumadoras e que amam os/as filhos/as, das más, fumadoras e, por isso, incapazes de amar (tanto)”. A UMAR condena ainda o apoio do Ministério da Educação à iniciativa e apela a uma reclamação conjunta para que a campanha seja retirada dos meios de comunicação social, cinemas e escolas. A plataforma feminista Capazes já disse nas redes sociais acompanhar a indignação.

Ontem a Comissão para a Cidadania e a Igualdade de Género não se pronunciou publicamente. Também o Ministério da Saúde não fez comentários. A diretora geral da Saúde já veio entretanto justificar a campanha, sublinhando que o público alvo do filme tinha sido as mulheres jovens dado serem o grupo que mais tem aumentado o consumo de tabaco. Quanto à escolha do mote “opte por amar mais”, Graça Freitas fala do amor à vida e não a terceiros, dizendo estar a aguardar a evolução para saber se é útil alguma alteração, que se for necessário será feita, disse também à Lusa.

Esta é a segunda vez no espaço de poucos meses que uma campanha de promoção da saúde oficial gera anticorpos, embora por razões distintas. Em março, um vídeo produzido a pedido do ministério da Saúde contra o consumo excessivo de açúcar acabou ser alterado logo depois de ir para o ar devido a queixas de anunciantes, que levaram as televisões a suspender temporariamente a emissão do spot “Açúcar Escondido”, naquele que foi um começo menos fácil para uma parceria entre o Ministério da Saúde e as televisões – RTP, o Porto Canal, a SIC e a TVI.

Desta vez, este filme marca o início de uma colaboração também inédita entre a Direção-Geral da Saúde e a NOS Cinemas, com vista à divulgação nas salas de cinema de três campanhas anuais de promoção da Saúde Pública. A estreia esteve associada ao Dia Mundial sem Tabaco, que se assinalou esta quinta-feira e tem como enfoque o papel do tabagismo nas doenças do coração. Segundo a nota divulgada pela DGS, em 2016 o tabaco foi responsável pela morte de mais de 2100 pessoas por doenças cérebrocardiovasculares em Portugal. Destas, 1620 eram homens (9,4% do total de óbitos no sexo masculino) e 545 eram mulheres (2,7% do total de óbitos).