Europa: crise existencial

George Soros afirmou-o esta semana, a UE está a sofrer uma crise de identidade. O caso italiano é apenas a mais recente exemplo desse estado d’alma.

Esta semana, na sua habitual falta de tato e de timing, o presidente da Comissão Europeia lançou o aviso a Itália: «Não se ponham a jogar esse jogo de atribuir responsabilidades à União Europeia», são os italianos quem tem de «cuidar das regiões mais pobres de Itália. Isso quer dizer mais trabalho, menos corrupção». Por mais que Jean-Claude Juncker possa ter razão nas suas afirmações, estando a UE como está, em crise e dividida, e havendo uma maioria da população em Itália que votou em dois partidos eurocéticos que formaram Governo, será mesmo a altura de espicaçar o sentimento soberanista da terceira maior economia da Zona Euro e a sua segunda maior dívida externa em proporção do PIB?

Não ouviu ele o aviso do ministro das Finanças da Letónia? «Se a Itália não conseguir formar um Governo que seja pró-europeu e empenhado nas reformas e levar o país de volta às regras fiscais, poderá provocar um grande dano à Europa como um todo». A Itália é um Estado fundador da UE, com uma longa tradição europeísta e está neste momento entregue a duas formações políticas desconfiadas da Europa e das suas instituições. É mais um sinal da «crise existencial» da união, como lhe chamou esta semana, em Paris, George Soros, numa conferência intitulada Como Salvar a Europa.

O magnata americano de origem húngara criador da fundação Open Society, embora deixe a nota que a ideia da Europa como sociedade aberta continue a inspirá-lo, adverte que, «desde a crise financeira de 2008, a UE parece ter perdido o seu rumo». Sobretudo na Zona Euro, mudou a relação entre Estados que passou a ser entre credores e devedores. «Os credores estabeleceram as condições que os devedores teriam de cumprir» e como «os devedores não conseguiram cumprir essas condições», criou-se «uma relação que nem é voluntária, nem é igual».

Os problemas económicos italianos derivam da fraca produtividade, da desfavorável demografia e da fragilidade das políticas públicas em algumas partes do país. Já existiam antes da introdução do euro em 1999, explica Lucrezia Reichlin, da London School of Economics, num texto escrito para o Social Europe, mas os políticos italianos tradicionais esperavam que a Zona Euro «criasse condições para reformas económicas profundas». Ao invés, a moeda única «privou a Itália dos meios para adotar uma desvalorização competitiva».

Uma maioria eurocética a assumir o poder em Itália faz soar novos alarmes em Bruxelas, mas a resposta parece ser a mesma arrogância de sempre: em vez de entender as razões para a mudança política num país que sempre foi pró-europeu, Bruxelas escolhe a fórmula de exigir ao novo Executivo italiano que adote as necessárias medidas de austeridade para reduzir a sua dívida pública.

«A UE é governada por tratados desatualizados» que a converteram numa «organização onde a Zona Euro constitui o núcleo e os outros membros são relegados para uma posição inferior», disse Soros no encontro anual do Conselho Europeu de Relações Exteriores, realizado terça-feira, em Paris.

As políticas de austeridade, aliadas à desintegração territorial por causa do Brexit e à crise de refugiados são as bases da crise europeia e cuja ascensão dos eurocéticos em Itália é mais um exemplo. A Europa a duas velocidades em direção ao objetivo de uma maior união «tem sido explicitamente rejeitada em vários países», afirma Soros, será que vale mesmo a pena insistir na ideia que está a pôr em causa a própria existência da união?