Quem nos acode?

Os tempos atuais são de ‘chapa ganha, chapa gasta’, como tão bem vemos nos  péssimos hábitos das famílias, que se endividam para suportar o consumo desenfreado

Manuel Boto

Depois do Congresso do PS que o entronizou como líder indiscutível por mais um bom par de anos – em que até deu para colocar Pedro Nuno Santos no seu lugar, ao referir que ainda não está na hora de meter os papéis para a reforma -, António Costa regressou à terra mais depressa do que imaginava… Itália foi a razão próxima, mas a dívida (e sobretudo os juros) é a razão permanente que lhe começa a tirar o sono.

Ao referir que não há condições para diminuir impostos, Costa foi perfeitamente pragmático e sintético, porque realmente não há folga nenhuma. Os juros da dívida pública a 10 anos começaram a subir (2,1%), refletindo a incerteza da política italiana, e ninguém sabe como (e quando) irão parar. 

Neste cenário de Portugal – com uma dívida pública altíssima face ao PIB -, a ‘geringonça’ andou a fazer malabarismos graças a um inusitado crescimento económico para o qual as políticas governamentais nada contribuíram. A maré enchia – e, aproveitando a maré, houve uma justa mas quiçá precipitada devolução de rendimentos a classes desfavorecidas, que começaram a sentir uns euros a mais no bolso. Dito de outra forma, a dupla Costa e Centeno criaram despesa permanente.

Não demonstrando qualquer arrependimento com a política até aqui assumida, a verdade é que Centeno já confessou que, por vezes, «a austeridade é necessária». E perante o início de reivindicações à volta da subida dos combustíveis, Costa reconheceu a inexistência de margem para reduções fiscais. Por outras palavras, a realidade em que nos encontramos é preocupante – e, talvez involuntariamente, António Costa deu um sinal aos mercados das vulnerabilidades da nossa economia. 

Não quero fazer futurologia, porque aprendi que em economia o mais certo são prognósticos falhados. Como aliás se viu com este sucesso inesperado da ‘geringonça’ – que auguraria, se as eleições fossem este ano, uma maioria absoluta ao PS, como resultado de Costa ser, em momentos de abundância, um exímio político. Mas as eleições serão daqui a mais de um ano – e a situação internacional permite todas as hipóteses. Sobretudo porque a Itália veio deitar um balde de água fria na Europa, que não entende como dois partidos aparentemente tão antagónicos (mas quiçá tão próximos) como a Liga e o 5 Estrelas se podem unir, tendo em comum um ponto: serem anti-Europa.

Dito de outra forma, com sinais internos de um crescimento a abrandar, com o preço do petróleo (atualmente nos 78 USD/barril) e as taxas de juro a aumentar, António Costa (e todos nós!) só pode estar realmente preocupado. As suas palavras assim o indiciam, e os investidores internacionais podem subitamente aumentar a exigência dos critérios de investimento e Portugal passar a ficar de fora da primeira linha de investimentos. Se a isto somarmos decisões do BCE de diminuir compras massivas de dívida pública, os nossos juros só podem continuar a subir. 

Longe vá o agouro, mas os meus avós bem me diziam para «amealhar em tempos de vacas gordas para poder enfrentar de cabeça levantada os tempos das vacas magras». Ora, os tempos atuais são de ‘chapa ganha, chapa gasta’, como tão bem vemos nos reduzidos hábitos de poupança nas famílias e, sobretudo, nos péssimos hábitos de endividar para suportar o consumo desenfreado. Se nas famílias somos assim, por que haveria de ser diferente o comportamento dos políticos que acham que os votos se ganham distribuindo benesses às grandes massas de eleitores?

P.S. 1 – A história sempre me disse que os populismos são inimigos da democracia, pelo menos como a temos defendido na Europa. Com uma agravante: em momentos de descontentamento, os populismos ganham ou podem ganhar eleições – e diz a História que a seguir vem um cercear de liberdades. Pela Europa fora verifica-se um crescendo destes populismos com tendências de radicalização. E noutros países com problemas sociais agravados veem-se novos partidos substituir nas preferências de voto os partidos clássicos, que definham pelo desgaste e inexistência de novas ideias. A democracia, por definição, acolhe todas as tendências – mas tem de se reinventar com soluções concretas para problemas tão desafiantes como o emprego, sobretudo jovem, a integração dos imigrantes ou ainda a responsabilidade social versus dívida pública. Os estadistas que ficam na História são os que, perante dificuldades, criam soluções que o povo compreende. Os outros são os que, por omissão e facilitismo, alimentam os populismos que nos poderão garrotear a democracia.

P.S. 2 – Esta semana Mário Centeno assumiu o compromisso de «não deixar cair» o Novo Banco, admitindo a contingência de uma recapitalização nos próximos anos, já se falando em verbas até 3 mil milhões de euros, na sequência de encargos assumidos na sua venda em Outubro de 2017. Quem nos acode?