Menos ligados, mais felizes. Razões para combater o vício do telemóvel

Simon Cowell pôs o smartphone de lado há dez meses. Está mais concentrado e sente-se feliz. A ciência mostra que há motivos para isso: quanto menos se usar o telemóvel, melhor

Simon Cowell é conhecido por ser presença assídua no júri de reality shows como “American Idol” ou “The X Factor” – onde tantas vezes o seu feitio particular dá que falar –, mas desta vez não é isso que faz dele notícia. Em entrevista ao jornal britânico “Daily Mail”, no domingo, o produtor inglês admitiu não usar o telemóvel há dez meses. E sente-se mais feliz.

“Literalmente não uso o telemóvel há dez meses”, revelou. Porquê? Porque o irritava por exemplo toda a gente passar as reuniões a mexer no telemóvel. “A diferença é que fiquei mais consciente das pessoas à minha volta e muito mais concentrado. Tem sido tão bom para a minha saúde mental. É uma experiência muito estranha, mas é mesmo bom e fez-me realmente mais feliz”, admitiu o produtor de 58 anos.

A decisão pode causar alguma estranheza, mas a verdade é que Cowell não é a única cara conhecida a reconhecer ter posto o telemóvel de lado. Recentemente, o rapper Kanye West usou o Twitter para informar que “se livrou” do telemóvel para poder concentrar-se no álbum que estava a preparar – “ye”, lançado a 1 de junho.

A opção tem sido também defendida por anónimos: não faltam, na Internet, relatos de pessoas que decidiram fazer a experiência de não usar o smartphone por um determinado período de tempo. E o veredicto é transversal: sentem-se melhor.

“Unplug”: Que benefícios? Em 2017, nos EUA, 77% da população tinha um smartphone; no mesmo período, em Portugal, o cenário não era muito diferente: 71,6% da população dizia ter um destes aparelhos. Numa sociedade em que a tecnologia tem um papel tão importante e onde cada vez mais se exige uma resposta no agora, rejeitar os smartphones pode ser uma tarefa difícil – até mesmo impossível, em determinadas profissões, por exemplo –, mas não faltam estudos científicos que elencam as vantagens que, pelo menos, uma utilização mais moderada pode ter.

As dificuldades de concentração são um problema para cada vez mais pessoas e não faltam estudos que mostram como os smartphones podem estar na sua origem. De acordo com uma investigação da Universidade do Texas publicado em 2017 no “Journal of the Association for Consumer Research”, a simples perceção de que o telemóvel está perto, ao nosso alcance, resulta por si só numa diminuição acentuada da capacidade para raciocinar. E isso verifica-se até quando o telemóvel está desligado ou em silêncio.

O estudo observou perto de 800 pessoas que tinham de realizar testes em computador e precisavam de total concentração para obterem uma boa pontuação: os participantes que tinham os telemóveis noutra sala alcançaram resultados significativamente melhores do que os que foram submetidos à experiência com os telemóveis ao seu alcance. Por isso, eis uma dica: se o objetivo é concentrar-se, coloque o telemóvel noutra divisão.

Relacionada com esta questão está uma outra descoberta, desta feita relativamente às notificações que aparecem nos ecrãs dos smartphones. Manter o telemóvel próximo e ver no canto do olho os constantes avisos luminosos intermitentes, alertando para diferentes notificações, provoca mesmo alterações a nível cerebral. Quem o diz é uma equipa de investigadores da Radiological Society of North America (RSNA) que, no encontro anual da entidade em 2017, apresentou um estudo segundo o qual essa interação cria um padrão designado pelos cientistas como “switch cost” – e que se baseia na interrupção da concentração na tarefa que estamos a levar a cabo, perante uma notificação, para depois voltarmos a ela. Segundo a equipa, essa interação prejudica a “eficiência” do cérebro em cerca de 40%.

Uma utilização mais moderada do smartphone – dos ecrãs, em geral –, pode resultar em noites melhor dormidas. Especialmente se o seu uso for interrompido nos momentos que antecedem a hora de ir dormir. É que, como concluiu um grupo de investigadores da Universidade John Carroll, nos EUA, a luz azul tem consequências na produção de melatonina, uma hormona que induz o sono e que é produzida sobretudo durante a noite.

E, afinal, é ou não verdade que o uso de smartphones influencia o estado de espírito – e a felicidade, como fez questão de anunciar ao mundo Simon Cowell? A ciência diz que sim. A Universidade de Gotemburgo quis medir os efeitos da utilização do smartphone na sensação de bem estar. Para tal, seguiu um grupo de pessoas na casa dos 20 anos ao longo de um ano. Os resultados? Os investigadores concluíram que, tanto nos homens como nas mulheres, a utilização acentuada do telemóvel estava diretamente relacionada com relatos de depressão. Para esse estado contribui, em especial, a constante comparação entre o “eu” e o “outro” que as redes sociais proporcionam.

Mas há mais: o Rabin Medical Center, na cidade israelita de Tel Aviv, verificou que os utilizadores intensivos de smartphones apresentam valores acrescidos de stress oxidativo na saliva.

A ciência não deixa margem para dúvidas: não usar o telemóvel, ou usá-lo com menor frequência, tem benefícios para a saúde e para a vida profissional e pessoal. E se a tentação de estar constantemente a usar o telemóvel é tão forte que simplesmente não consegue combatê-la, os especialistas aconselham que comece por se privar do uso apenas por alguns minutos numa fase inicial. Depois a ideia é ir aumentando diariamente o intervalo de tempo em que não o usa. De resto, não faltam conselhos online de como combater o uso exagerado. E, em último recurso, saiba até que o próprio smartphone pode ajudar a combater o vício. Pode parecer contraditório, mas há várias aplicações criadas para o efeito.