Espanha. Rajoy deixa o partido em cacos

O ex-presidente do governo será em breve o ex-líder do PP. A contrassenso, ao seu partido resta desejar um longo governo do PSOE.

Mariano Rajoy vai abandonar a liderança do Partido Popular sem descendência determinada, em clima de guerra interna e na iminência de um malogro eleitoral de proporções históricas. O homem que venceu duas eleições no espaço de um ano não conseguiria vencer as próximas, nem tão-pouco teria condições para conservar o poder depois da moção de censura de sexta.

O fiasco eleitoral que as mais recentes sondagens adivinham para o Partido Popular não é dissemelhante ao que se antecipa para o PSOE, mas, se Pedro Sánchez trocou uma derrota antecipada por uma vitória temporária, Mariano Rajoy sai consensualmente derrotado. Anunciou-o esta terça-feira no Comité Executivo Nacional do PP, onde começou há 40 anos colando cartazes eleitorais em Sanxenxo.

Chorou ao reconhecer a lealdade e logo tentou disfarçar as lágrimas. Nunca expôs um laivo de intimidade em seis anos e meio de governo não o quis fazer agora. Ao seu lado, disfarçavam também as lágrimas os militantes que não sabem se continuarão a ter partido daqui a alguns meses.

“Bueno, venga”, lançava Rajoy, tentando que os companheiros cessassem os aplausos em pé com que retaliaram às lágrimas envergonhadas. “Bueno, ja estoy”, tentou, para que soubessem que estava recomposto. Procurassem os populares olhá-lo de frente, como as câmaras, e veriam no rosto de Rajoy o desconforto de um homem que, de tanta modorra aparente, José Luís Zapatero lhe chamava um “bobo da solenidade”.

Mas quem o aplaudia esta terça-feira não o fazia por sentido de amizade. Respeito, sim. Talvez gratidão. Mas não amizade. Rajoy, dá-se por sabido em Espanha, “não tem amigos, ou muito poucos”, como escrevia este fim de semana no “El País” Javier Casqueiro. “Tem adversários, companheiros, ex-companheiros e colaboradores”. É consequência do estilo semiautoritário de poder. Para infelicidade do PP, não é a única.

Caos interno

Rajoy apenas abandonará a liderança quando se realizar o Congresso extraordinário e se eleger a nova chefia. Não acontecerá até daqui a um mês, no mínimo. Talvez demore mais, até porque, com a demissão desta terça, Rajoy fez estalar uma guerra interna que, para já, tem três nomes principais: Soraya Sáenz de Santamaría, a sua vice-presidente quando se encontrava no poder, abertamente detestada por metade do partido; María Dolores de Cospedal, ex-secretária-geral do PP e ministra da Defesa; e, num segundo plano, o presidente da Xunta da Galiza, Alberto Núñez Feijóo.

Rajoy abençoou esta terça-feira as duas candidatas, agradecendo-lhes a ajuda no governo, mas recusou-se a acenar com uma favorita. O primeiro embate do conflito já começou em torno da presidência do grupo parlamentar do PP, agora na oposição. E já se desenrola em público. Esta terça, o ex-ministro espanhol dos Negócios Estrangeiros, Manuel García Margallo anunciou aos jornalistas que fará “tudo o possível” para evitar que Soraya se torne porta-voz dos deputados conservadores.

O confronto no seio do PP pode ser apenas o aperitivo do caos que se avizinha numa das duas metades do moribundo bipartidarismo espanhol. As sondagens indicam que o PP e PSOE continuam em queda livre e que o Ciudadanos, principalmente, mas também o Unidos Podemos, prosseguem a sua ascensão meteórica no centro-direita espanhol.

O fim do bipartidarismo?

O Metroscopia, o instituto estatístico do “El País”, sugeria em maio que o Ciudadanos está a caminho de conquistar 29,1% dos votos, mais dez que o Podemos, PP e PSOE, em segundo, terceiro e quarto lugar, respetivamente, separados por poucas décimas – 19,8%, 19,5% e 19%.

“Tão colada ficou a imagem do PP à de Rajoy na última década de tirania suave que o desaparecimento do patriarca por motivos de vergonha provoca uma crise fatal de sobrevivência”, escrevia esta terça-feira no “El País” o colunista Rubén Amón, que adivinha – não é o único – que há mais para correr sob o moinho para além da corrida à liderança.

A corrupção implica dezenas de militantes e a crise pode ainda causar metástases profundas. Em contrassenso, sugere Rubén Amón, o PP pode beneficiar de um governo PSOE duradouro, que lhe dê oportunidade para sarar feridas e recompor o tecido intestinal. “Rajoy continha os barões e as famílias. Representava um princípio de lealdade rochoso e até fanático. Nunca se escutaram discrepâncias. O marianismo foi dogmático, unívoco e até inequívoco na sua eficácia hierárquica.”