Francisco, o Papa para quem o futebol dá lições sobre a vida

O Papa Francisco é o mais futebolístico da história da Igreja. Foi ele próprio que o disse, a César Mauricio Velásquez, autor do livro “Futebol com Alma”, apresentado ontem em Lisboa. Através de histórias de sete personalidades do futebol – e de um capítulo com o Papa como protagonista –, o antigo jornalista colombiano mostra…

“Vamos começar o dia com um sorriso, apesar de tudo”. Essas foram as palavras que Francisco disse ao seu secretário quando soube, no dia seguinte, que a Argentina tinha perdido a final do Mundial de Futebol 2014 contra a Alemanha. Não conseguiu assistir ao jogo porque acorda às quatro e meia da manhã, mas pediu que o mantivessem a par. É que, afinal, a Argentina é a sua pátria, e o Papa é um verdadeiro apreciador de futebol: é o sócio 88235 do argentino Club Atletico San Lorenzo de Almagro.

Mas, para o símbolo máximo da Igreja Católica, o futebol – o desporto, em geral – é muito mais do que um fenómeno de massas e tem de ser olhado também como uma fonte de valores que deve ser “orientada para o bem” e não para a rivalidade ou o dinheiro. Assim o descreve o colombiano César Mauricio Velásquez no seu livro “Futebol com Alma”, publicado em 2016 e apresentado ontem pela primeira vez em Portugal, num encontro com jornalistas no gabinete de imprensa do Opus Dei, em Lisboa.

É essa conexão – entre o futebol e o humano – que Velásquez, antigo jornalista, professor de comunicação e embaixador da Colômbia ante a Santa Sé (2010-2012), explora nesta obra. Para tal, reúne as histórias de sete personalidades do mundo do futebol – como Alfredo di Stéfano, Javier Zanetti e Andrés Escobar –, incluindo um capítulo especial com uma personalidade inusitada: o Papa Francisco. Transversal a todas elas, é a paixão pelo futebol. E, para o autor, não há dúvidas de que existe uma relação entre o futebol e a religião – a “fé ou a transcendência”, como a designou na apresentação.

A condição humana no futebol A visão do Papa quanto ao futebol é ampla e estende-se mesmo à vida: “em primeiro lugar, o desporto ensina-nos que, para vencer, é preciso treinar. Podemos ver, nesta prática desportiva, uma metáfora da nossa vida. Na vida, é preciso lutar, ‘treinar’, esforçar-se para obter resultados importantes. O espírito desportivo torna-se, assim, uma imagem dos sacrifícios necessários para crescer nas virtudes que constroem o caráter de uma pessoa”, admite na obra de Velásquez.

Outra ideia do Papa inserida no livro vai ao encontro dessa mesma linha de pensamento: “Pensemos na lealdade, na perseverança, na amizade, na partilha, na solidariedade. De facto, são muitos os valores e atitudes fomentados pelo futebol que se revelam importantes não só no campo, mas em todos os aspetos da existência, concretamente na construção da paz. O desporto é escola da paz, ensina-nos a construir a paz”.

Ao mesmo tempo, para o Papa Francisco, o desporto não é apenas “uma forma de entretenimento, é também, e sobretudo, um instrumento para comunicar valores que promovem o bem da pessoa humana e contribuem para a construção de uma sociedade mais pacífica e fraterna”. Esta foi, aliás, precisamente uma das ideias mais reiteradas pelo autor de “Futebol com Alma” na apresentação de ontem.

Para César Mauricio Velásquez, o futebol é um importante meio de entretenimento, que deve ser sinónimo de “tolerância” e não de “batalha campal”. No entanto, para que assim seja, o antigo jornalista reconhece que a comunicação social desempenha um papel determinante. Ao fazer a cobertura jornalística do desporto em geral, e do futebol em particular, “a comunicação social deve transmitir alegria e tristeza, mas sem ódio”, defendeu. Para tal, é preciso que o jornalista distinga o profissional da pessoa, para que não suscite ódios no público contra os protagonistas fora das quatro linhas. “Um árbitro pode ter uma decisão má e não ser má pessoa”, sublinhou o autor.

Ainda assim, não faltam episódios de violência e rivalidade no futebol. Foi isso que levou o antigo jornalista a estar 15 anos sem entrar num estádio, depois de em 1994 o futebolista colombiano Andres Escobar ter sido assassinado apenas alguns dias depois de ter marcado um autogolo que afastou a Colômbia do Mundial de futebol. “Foi morto porque os apostadores acharam que estava comprado, tinha 27 anos, ia casar daí a dois meses. Era um grande profissional, uma pessoa de valores. Estive 15 anos sem entrar num estádio. Perdi o afeto”, confessou. César Mauricio Velásquez recordou as idas aos estádios em criança, e o exemplo do comportamento moderado do seu pai, mesmo quando a sua equipa perdia. O segredo para menos violência no futebol, acredita, está na educação das gerações mais novas. “Se queremos ter menos violência nos estádios, temos de incutir tolerância e respeito às nossas crianças”, defendeu. Até porque o futebol é um deporto para todos, que juntas famílias nos estádios.

Futebol e solidariedade O futebol gera milhões. Por isso, clubes e jogares devem dar o exemplo e ser solidários para com aqueles que precisam. Essa é, pelo menos, a opinião do autor de “Futebol com Alma”. “As equipas não deveriam contentar-se em ter fundações, deveriam ser mais solidárias, apoiando, por exemplo, as comunidades de onde proveem alguns dos seus jogadores”, disse Velásquez. E na hora de avançar com o exemplo de um jogador que prima pela faceta humana, o eleito foi um português.

“Cristiano Ronaldo é, para mim, o melhor do mundo. É o número um, tem características profissionais únicas e gestos humanos louváveis, pensa em dar”, explicou o antigo jornalista, que recordou uma conversa que teve com o futebolista, na qual ele lhe disse que nunca fez tatuagens para poder continuar a dar sangue. “Algumas técnicas de fazer tatuagens impediam as pessoas de darem sangue. Ele disse-me que não fez tatuagens por causa disso. É um exemplo de generosidade, e sei que faz muitas coisas que não são públicas. Se cada jogador de futebol fizesse o mesmo seria muito bom”.