A arte de sobreviver numa casa com crianças

Para a casa não ir abaixo e os habitantes não entrarem em colapso impõe-se tomar algumas medidas preventivas

Viver numa casa com crianças pode ser um desafio. Os mais pequenos adoram dar asas à imaginação, mexer em tudo com as suas hábeis mãozinhas, comer o que sabem que lhes sabe bem e também provar o que não conhecem. Só estes dois aspetos já são os terríveis aliados para fazer a diferença entre uma casa com e sem crianças.

Para a casa não ir abaixo e os habitantes não entrarem em colapso impõe-se tomar algumas medidas preventivas. Na nossa a despensa tem de estar fechada porque se estiver aberta, mesmo que por alguns minutos, enche-se de bocas famintas a procurar conforto. O processo de guardar a chave tem refinamentos ao nível de uma prisão de alta segurança. É escondida em sítios improváveis, de fácil ou difícil acesso, que mudam regularmente ou sempre que são descobertos. Todos os objetos mais frágeis, de maior valor ou indispensáveis têm de ser colocados em sítios também aparentemente inacessíveis.

Infelizmente por vezes o feitiço vira-se contra o feiticeiro e estes rituais, embora possam evitar catástrofes, acabam por se tornar uma prisão não para os mais novos, mas para quem os criou. 

Houve uma altura em que o nosso filho mais novo acordava a meio da noite e, como era um pisco a comer, quando isso acontecia dávamos-lhe um pouco de leite e adormecia refastelado. Só que quando nos deitamos fechamos também a cozinha à chave, para evitar que se repitam algumas surpresas como uma inundação de leite de chocolate que saiu por baixo da porta e desceu três andares. Ora, quando me levantava estremunhada às quatro da manhã com um bebé a chorar e ia direita à cozinha batia com o nariz na porta. No meio do meu estado quase inconsciente tinha de me lembrar onde tinha posto a chave e voltar ao quarto para a ir buscar ao sítio mais improvável. E lá voltava eu. De seguida a chave da despensa… Finalmente o quarto do bebé que com sorte não tinha acordado os irmãos. Já nos aconteceu também várias vezes querermos fazer o jantar e a chave da despensa estar tão bem escondida que ninguém a encontra e passarmos horas à sua procura ou alguém sair de casa com ela no bolso. Para preparar uma simples refeição tenho de procurar a bendita chave, abrir e fechar a porta uma dezena de vezes. Se não o faço quando me volto a despensa já está a ser assaltada. O próximo passo é fazer uma chave nova. Mas – se algum dia me lembrar de a fazer – será como as chuchas, podemos ter mil que à hora de dormir a casa enche-se de buracos que as engolem. 

Outra aventura é ver televisão. Por melhor que esconda os comandos na hora em que preciso deles já desapareceram. Quando passado demasiado tempo já desesperançada os encontro falta sempre uma pilha e recomeça uma nova busca. Quem diz os comandos diz todas as coisas que escondemos tão bem do seu alcance que desaparecem também da nossa memória.

Podia descrever um rol de situações desesperantes como estas, em que nos sentimos manietados pelas nossas próprias armadilhas ou pela falta de cuidado dos mais novos, mas o jornal não teria páginas suficientes para as receber. 

Podem dizer que se tivesse filhos mais arrumados ou mais obedientes não teria de passar por nada disto. E é verdade. Mas se não tivessem o menor ímpeto, uma incontrolável curiosidade, imaginação e desassossego eu ficaria preocupada, eles certamente não seriam tão felizes e eu também não. Além de que não teria histórias engraçadas para recordar.