Mundial 2018. A história dos números

Pelé foi 10 por causa de uma mala; Eusébio 13 por troca; Müller 13 por causa de Eusébio; Cruyff devia ter sido 1 mas foi 14…

O primeiro Mundial no qual os jogadores surgiram com camisolas numeradas foi o de 1938, em França. Vinte anos depois, na Suécia, o número 10 do Brasil marcava a história do futebol para sempre. Chamava-se Edson Arantes do Nascimento, dito Pelé, e tinha uns escandalosos 17 anos. Nelson Rodrigues, o inigualável cronista brasileiro, dizia que seria corrido de um filme de Brigitte Bardot, mas isso não impediu o selecionador Vicente Feola de levar o garoto para a Suécia.

Pelé não era titular dessa equipa. Aliás, não foi titular nos dois primeiros encontros da fase final do campeonato do mundo de 1958. Depois, quando foi, frente à União Soviética, nunca mais aquele 10 azul num fundo amarelo fugiu da memória dos que gostam do jogo inventado pelos ingleses. O adolescente parecia não ter costas para os dois algarismos, mas fazia coisas que até então ninguém se atrevera a fazer. 

Volto a Nelson Rodrigues, que adivinhou o que iria acontecer na Suécia dois meses antes: «Quero crer que a maior virtude de Pelé é, justamente, a imodéstia absoluta. Põe-se acima de tudo e de todos. E acaba intimidando a própria bola que vem a seus pés com uma lambida docilidade de cadelinha. Hoje, até uma cambaxirra sabe que Pelé é imprescindível na formação de qualquer escrete. Na Suécia, ele não tremerá de ninguém. Há de olhar os húngaros, os ingleses, os russos, de alto a baixo. Não se inferiorizará diante de ninguém. E  é dessa atitude viril, mesmo insolente, que precisamos. Sim, amigos: – aposto minha cabeça como Pelé vai achar todos os nossos adversários uns pernas-de-pau».
Tinha razão.

O 10 de Pelé no escrete caiu por acaso. A Confederação Brasileira de Desportos atribuiu os números por equivalência aos números das malas dos jogadores. Assim, Garrincha, ponta-direita, foi o 11 e Zagallo, o ponta-esquerda foi o 7. Já Pelé ficou 10 para sempre! Nenhum outro número lhe ficaria tão bem.

Eusébio de 11 para 13

Se a Suécia fez a justiça de transformar Pelé no 10 absoluto, a Inglaterra, em 1966, deu ao mundo o número 13 de Eusébio. António Simões, seu colega de clube e de seleção, contou esta história certa vez: «Antes de seguirmos para o Mundial, os números foram sorteados. Eusébio ficou com o 11 e eu com o 13. Ora, eu jogava sempre com o 11 e convenci-o a trocarmos de camisolas. Disse-lhe que ele era o jogador ideal para desmistificar a ideia de que o 13 dá azar.

Que iria transformar o 13 num número feliz». Eusébio ainda franziu o cenho mas deixou-se convencer. Foi o 13 sem  reservas. 

O Mundial de 66 foi o Mundial de Eusébio e o 10 de Pelé ficou embaciado pela luz intensa do futebol do rapaz da Mafalala. As exibições do 13 português correram os quatro cantos deste planeta sem cantos, apenas redondo e achatado nos polos. A exibição frente à Coreia do Norte, na reviravolta de 0-3 para 5-3 com quatro golos seus ficará para sempre pendurada como uma fotografia em movimento na parede branca da nossa memória.

Simões acertou. O 13 deixou de ser um número maldito para ser um número apetecido. No Mundial de 1970, no México, o avançado-centro da República Federal Alemã jogou com o número de Eusébio. Se o 13 se sagrara o melhor marcador do torneio em Inglaterra, com 9 golos, seria novamente o 13 a ser o melhor marcador do torneio no México, com 10. Quatro anos mais tarde, o 13 de Müller na Alemanha ficou para os registos universais: contabilizando 14 golos em fases finais, ultrapassava o francês Just Fontaine, que marcara 13.

Ainda no Mundial de 1970,  a seleção brasileira que foi campeã do mundo era conhecida pela equipa das cinco camisolas 10. Gerson (São Paulo), Rivelino (Corinthians), Jairzinho (Botafogo), Tostão (Cruzeiro) e Pelé (Santos), eram todos números 10 nos seus clubes, o que não quer dizer que jogassem a 10. Jairzinho que era meio ponta-direita meio ponta-de-lança cometeu a proeza de marcar golos em todos os jogos desse Mundial. Levava o 7 às costas. O 7 tinha em si a magia de Stanley Mathews, o Feiticeiro do Drible, mas Matthews passou por duas fases finais de campeonatos do mundo (Brasil-1950 e Suíça-1954) sem grandes motivos para que a sua camisola se tornasse apetecida.

A lenda do 14

Se Müller levou o 13 de Eusébio a duas campanhas fantásticas da Alemanha Ocidental, em 1970 (perdeu na meia-final frente à Itália) e em 1974 (campeã do mundo frente à Holanda), Cruyff transformou o 14 em fundo laranja em algo de indiscutivelmente icónico. Mais uma vez por simples acaso. 

No dia 30 de outubro de 1970, o Ajax preparava-se para enfrentar o PSVEindhoven e Gerrie Muhren não conseguia encontrar a sua camisola 7 em lado algum do balneário. Cruyff ofereceu-lhe a 9 com que jogara sempre até aí. Muhren meteu a mão no cesto da roupa e tirou uma para o companheiro. Saiu a 14. O Ajax venceu por 1-0 e, na semana seguinte, Cruyff decidiu: «Gerrie, correu tão bem da última vez que vamos manter os números». A partir daí, sempre que possível, jogava com o 14 nas costas.

No Mundial de 1974, o treinador Rinus Michels decidiu distribuir os números por ordem alfabética. E, dessa forma, o guarda-redes Jongbloed ficou com a 8 e o avançado Ruud Geels com a 1. 

Cruyff, enfim, era Cruyff: ninguém teve coragem para o meter na lista e ficou com a 14. Se não, teria sido ele a usar a número 1.

A Argentina em 1978, 1982 e 1986 também optou pela política da ordem alfabética. E, dessa forma, no ano do seu primeiro título de campeã do mundo tinha um guarda-redes com o número 5 (Fillol), cabendo ao mestre do meio campo, Ardilles, o 2. Em Espanha, Ardilles foi assim como promovido. Alonso não foi convocado e subiu a 1. Já Maradona, em 1982 e 1986, ficou com o 10. Há certos privilégios que não se contrariam.