O fantasma do Bloco Central

Não tem nada a ver com o ‘Portugal: que futuro?’ de Soares no cavaquismo, mas promete agitar as águas da política. Marcelo foi convidado a patrocinar os 50 anos da fundação da SEDES, que até um ‘programa de governo’ vai discutir. Sempre com um futuro acordo PS-PSD a pairar.

O fantasma do Bloco Central

Guterres entrou logo para a SEDES na fundação, em 1969/70, Marcelo um pouco mais tarde – o facto de ser filho de um ministro de Caetano, Baltasar Rebelo de Sousa, atrasou a aprovação da ficha de candidatura. Mas a SEDES foi o berço político comum ao Presidente da República e ao secretário-geral das Nações Unidas. Aliás, como recorda o atual presidente da SEDES, João Duque, ao SOL, Marcelo «é um membro da SEDES com as quotas em dia».

Na quarta-feira à tarde, o Presidente recebeu em Belém a direção da SEDES e aceitou o convite para o arranque das comemorações dos 50 anos, que começa já a 12 de setembro com uma conferência sobre sistema eleitoral. 

Entre 2019 e 2020, desenrolar-se-ão sete conferências  sobre todos os temas da governação de um país – Crescimento económico, Estado Social, Saúde e Segurança Social, Educação, Cultura e Ciência, Defesa e Segurança Externa, Justiça. No fim de 2020, um grande congresso, que Marcelo e Guterres são convidados a patrocinar, apresentará conclusões, em jeito de programa de Governo. 

 «Os 50 anos são para nós um momento em que podemos voltar a reavivar a importância da SEDES na discussão e na influência da decisão política na vida nacional», diz João Duque ao SOL, afirmando o objetivo de aumentar o seu «impacto na sociedade» através das várias conferências que se vão prolongar pelos anos 2018/2019. 

João Salgueiro, ex-ministro das Finanças que esteve na fundação da SEDES, afirma o papel da organização: «Quando há um sarilho nós tomamos sempre posição. Tomámos posição a tempo sobre o Governo Sócrates, que estava a endividar o país excessivamente. Não era por ser socialista ou não ser socialista era por seguir uma política que era errada. O que queremos é que todos discutam os problemas do país, e em especial os bloqueamentos e o atraso em relação a outros países europeus». João Salgueiro regista que Portugal está a ser «ultrapassado pelos países de leste da Europa – só faltam três, os outros já nos passaram à frente –  que partiam de níveis de competitividade e economia muito mais baixos que os nossos. Estamos a aceitar um atraso e uma estagnação que não devíamos aceitar em Portugal».

A SEDES vai contribuir assim, durante todo o ano de 2019, para espalhar o perfume do bloco central, com iniciativas a coincidir com as eleições legislativas – outubro de 2019 – e a anteceder as Presidenciais de janeiro de 2021. Se Costa não tiver a maioria absoluta, a possibilidade de governar com o apoio de Rui Rio é cada vez mais um cenário colocado em cima da mesa dentro e fora do PS. 

A SEDES sempre foi, na realidade, um viveiro de dirigentes para o PS e para o PSD. João Salgueiro recorda: «Como a SEDES era uma escola de reflexão cívica e de mudança económica e social praticamente em todos os governos desde então tem havido pessoas que estiveram na fundação da SEDES». 

O único socialista membro da direção é Álvaro Beleza, que faz parte da Comissão Política do PS e foi membro da direção de Seguro. Ao SOL, Beleza confirma que o congresso de 2020 «apresentará linhas estratégicas para o futuro do país». «A nossa ideia é ressuscitar a SEDES como gabinete de estudos da democracia que já foi», diz.

PS rumo a acordo com Rio? 

O congresso da Batalha recentrou o PS. O objetivo de António Costa é conquistar a maioria absoluta através da captação de votos do eleitorado central. Hoje, o Governo não está só despido de qualquer maquilhagem esquerdizante, como vive numa guerra aberta com os parceiros de coligação. Quando Costa repete a famosa frase de Vítor Gaspar – «Não há dinheiro» – em resposta aos partidos que o mantêm no poder, justificando o veto às reivindicações dos professores percebe-se que o mundo mudou.

Costa é um pragmático. A ‘geringonça’ foi útil para o tornar primeiro-ministro depois de o PS ter perdido as eleições para a coligação PSD/CDS. Agora, trata-se de conquistar o maior poder possível. Se a maioria absoluta falhar, a previsão de que Costa e Rio cairão nos braços um do outro é discutida no PS, no PSD e em Belém, em alguns casos com preocupação e em outros com júbilo. Afinal, está escrito nas estrelas desde que o presidente da Câmara de Lisboa e o presidente da Câmara do Porto se tornaram cúmplices. O facto de Rio ser mais à esquerda do que Passos Coelho facilita – Rio apresentou esta semana uma proposta social-democrata que nem o PS chegou algum dia chegou a apresentar:  a gratuitidade de creches e infantários  para as crianças a partir dos seis meses. 

Rio nunca enganou e sempre disse ao que vinha: estava pronto a repetir o que Marcelo fez com Guterres, dando apoio parlamentar para retirar a esquerda do poder. Ora, o cenário começa a preocupar a oposição interna a Rio: se o líder conseguir partilhar o poder, será fácil corrê-lo da presidência do PSD depois de uma derrota eleitoral? Se calhar não.

Se costa não tiver a maioria absoluta, uma aliança poderá ser uma boia de salvação. Marcelo também vai avisando que quer estabilidade antes das presidenciais de 2021. O novo ciclo está em marcha e nos bastidores da política tornou-se ‘o assunto’.