PCP e BE protestam mas votam Orçamento

A semana foi turbulenta para a ‘geringonça’. Jerónimo de Sousa vê sinais de que António Costa se prepara para inverter o rumo. E bloquistas acusam Governo de «deslealdade».

António Costa assinou o acordo de concertação social com os patrões e a UGT sobre leis laborais sem avisar os parceiros que sustentam o Governo. O clima entre Executivo e esquerda é de cortar à faca – e a violência do primeiro-ministro contra PCP e BE  no debate parlamentar a propósito do conflito com os professores enuncia um novo ciclo. O casamento de conveniência parece estar à beira da dissolução, não fossem os riscos associados, para a esquerda, de fazer cair o Governo. 

A semana não podia ter sido mais turbulenta para a geringonça. Do PCP e do Bloco de Esquerda não faltaram avisos ou sinais de preocupação com a viragem dos socialistas à direita. Francisco Louçã, num comentário na SIC sobre o Congresso do PS, mencionou o facto de António Costa ter praticamente ignorado os acordos com os partidos à esquerda do PS. Louçã considera que o primeiro-ministro está a preparar as próximas eleições no sentido de «dispensar qualquer acordo com a esquerda. É isso que o leva a ser muito contido e a não referir que tem acordos escritos que estão a ser cumpridos com os partidos de esquerda. Isso para ele é uma etapa passada». E mais: «Para António Costa terminou a fase dos acordos com os partidos de esquerda».

As leis laborais e a contestação dos professores estiveram no centro dos protestos comunistas e do Bloco de Esquerda ao Governo, numa altura em que começam as negociações para o próximo Orçamento do Estado. Na abertura das jornadas parlamentares, Jerónimo de Sousa manifestou a «crescente preocupação» do PCP com o avolumar dos «sinais e práticas que indiciam uma travagem, senão uma inversão de rumo», na política de direitos e rendimentos. 

O PCP foi o primeiro a atacar o acordo sobre as leis laborais que o Governo fez com os patrões e a UGT na Concertação Social. Jerónimo insistiu nas críticas, na quinta-feira, e avisou que o Governo e o PS «não seguem num bom caminho quando, juntos com PSD e CDS, agem para manter intocáveis os interesses do grande capital neste e noutras matérias».

No mesmo dia, o jornal Avante! traduzia o descontentamento dos comunistas com o Executivo no editorial e em dois artigos de opinião assinados por dirigentes do partido. «O PS, além do mais, não é de boa palavra», escreveu João Frazão, que pertence à Comissão Política do PCP. «Uma vez mais fica evidente que não é de um Governo de esquerda que falamos. Se há matérias que dão conteúdo de esquerda a qualquer política são as matérias laborais». 

O Bloco de Esquerda confrontou Costa, no debate quinzenal, com o acordo sobre as leis laborais. Catarina Martins acusou o Executivo de ter faltado ao acordo com o BE para negociar sozinho com as confederações patronais, na Concertação Social. «O Governo alterou o acordo unilateralmente para fazer uma proposta ao patronato que anula boa parte das medidas de combate à precariedade. Porque é que nunca foi apresentado à esquerda o alargamento do período experimental? E para que servem as inúmeras alterações à taxa aprovada e aplicada às empresas com elevada rotatividade [de trabalhadores]?».

O ex-deputado do BE Fernando Rosas foi mais longe e acusou o Governo de «deslealdade negocial». No programa Prova dos Nove, na TVI, o historiador lamentou que «o Governo, sem comunicar nada aos parceiros», tivesse introduzido «em algumas das mais importantes medidas que foram negociadas normas de exceção que em boa parte esvaziam aquilo que foi acordado». Louçã também considerou que «o Governo quis afastar-se dos partidos de esquerda». 

A dúvida é se as divergências poderão condicionar as negociações do último orçamento da geringonça. Bloco e PCP vão tentar ir o mais longe possível, mas também sabem que se não aprovarem o orçamento abrem uma crise política que pode beneficiar os socialistas. Para Fernando Rosas, seria «um disparate total» os partidos de esquerda provocarem a crise. «Devem é discutir o orçamento. Os partidos à esquerda só poderiam votar contra se o PS apresentasse um orçamento que recuasse em relação ao que se fez ou se fosse um orçamento austeritário. É preciso ter sangue frio». 

CGTP acusa Governo de estar ao lado dos patrões 

A CGTP garante que vai intensificar os protestos contra Governo. «Vai enfrentar múltiplas contestações e jornadas de luta se incumprir as promessas de acabar com a precariedade», afirmou, na sexta-feira, Arménio Carlos. O secretário-geral do PCP considera que a proposta do Executivo «constitui um ataque aos direitos dos trabalhadores» e traduz a aproximação do Governo aos patrões e aos partidos de direita. «Perante este quadro, que não procurámos, mas ao qual não vamos deixar de responder, o Governo assume aqui a responsabilidade de toda a conflitualidade que a partir daqui se verificar, quer no setor privado, quer no setor público», avisou o sindicalista. 

O debate sobre as leis laborais está agendado para dia 6 de julho.