D. Duarte: ‘O Presidente Marcelo atua como se fosse um rei’

D. Duarte está convencido de que a monarquia ganhava se houvesse um referendo. Anda sempre de transportes públicos e gosta de poupar.

É mais difícil defender a monarquia com um Presidente da República que consegue ser tão popular?

Diria que um presidente que atua como se fosse um rei é um ótimo presidente. Os maus presidentes são aqueles que têm um comportamento contrário àquele que teria um rei. A conclusão a que se pode chegar é que seria melhor ter verdadeiramente um rei. 

Marcelo Rebelo de Sousa atua como um rei?

Exatamente. Ele atua como se fosse um rei. É uma pessoa inteligente, culta, com uma boa formação ética e percebe aquilo que o povo português gosta de ter num chefe de Estado. Eu disse a mesma coisa do general Ramalho Eanes, que também atuou dessa maneira. Ele, no fim do seu mandato, disse que tinha tentado atuar como se fosse um rei constitucional. Foi a definição que ele deu de como é que tentou agir como Presidente da República. Historicamente, temos visto que os Presidentes mais estimados pelo país são aqueles que mais se aproximam da figura do rei.

Se houvesse monarquia teríamos uma espécie de rei dos afetos?

Eu tenho essa proximidade. Na Europa contemporânea todos os Reis têm esse tipo de atitude. Com exceção talvez da Rainha de Inglaterra, que já tem muita idade e é de uma época em que, de facto, o povo queria que a rainha tivesse uma posição mais distante. Foi nesta geração que o desejo popular se manifestou de uma maneira diferente. Os Reis de Espanha têm uma enorme simpatia e um enorme carinho da parte da população. A diferença é que o Presidente da República dá muitas opiniões sobre a realidade política do país e o Rei Filipe foi preparado e educado na lógica de que o rei não deve dar opiniões. Só em particular, em conversa com os políticos e os responsáveis. Raramente dá uma opinião em público. 

Qual seria a grande vantagem de temos um rei em Portugal?

Veja o que os aconteceu nos últimos 100 anos. Os primeiros anos da República foram revoluções, golpes… A II República foi paz e tranquilidade e um certo progresso económico, mas em regime não democrático. A III República voltou à democracia e regressou a instabilidade económica e política. Entrámos em falência várias vezes, tivemos crises e problemas muito complicados. E houve, além disso, a maneira desastrosa como se fez a separação das antigas províncias ultramarinas. Isso mostra que a República não foi capaz de transformar o país numa democracia de uma maneira pacífica. Foi feita com uma revolução com o enorme trauma provocado em todos os antigos territórios portugueses. As independências poderiam ter acontecido de uma maneira pacífica e democrática. Foi uma entrega a movimentos políticos que sustentaram guerras civis terríveis durante dezenas de anos. Houve mais violência e morte depois das independências do que antes da independência.

Não simpatiza com o 25 de Abril?

Eu respeito e simpatizo com o idealismo de muitos oficiais que fizeram o 25 de abril, mas, de facto, houve uma ingenuidade muito grande. Uma falta de preparação política muito grande, provocada também pela falta de preparação política que a II República deu à população portuguesa. Para mim, o maior pecado da II República foi não ter preparado os portugueses para a vida política.

Conheceu Salazar?

Estive duas vezes com ele. Uma das vezes fui falar com ele sobre o meu serviço militar. Fui perguntar-lhe se haveria interferência política se eu concorresse à Força Aérea e ele garantiu que não haveria interferência. Quando ele foi substituído pelo Marcello Caetano fui proibido de voar pelo ministro da Defesa.

Antes de entrar para a Força Aérea como foi a sua adolescência? 

Eu gostei muito das escolas por onde andei. Ainda tenho muitos amigos dessa altura com quem me encontro regularmente. Gostei do liceu Alexandre Herculano, no Porto. A seguir fui para o colégio Nuno Álvares, em Santo Tirso. Depois, finalmente, fui autorizado a entrar no Colégio Militar, porque o Presidente da República, Craveiro Lopes, não tinha autorizado. Entrei e gostei muito. Achei um colégio fantástico, com uma formação física e intelectual que dura a vida toda. Ainda hoje me sinto um antigo aluno do Colégio Militar e encontro-me com os camaradas daquela época. Para mim, é certamente o melhor colégio português.

Teve uma educação rígida? Sei, por exemplo, que o seu pai insistia muito na ideia de que é importante poupar…

O meu pai achava que tudo o que fosse gastar mal algum recurso era pecado, porque havia muita coisa que se podia fazer de bom com o dinheiro. Portugal era um país pobre e ainda é. O desperdício é uma ofensa aos outros e é um pecado perante Deus. Fico muito chocado quando vejo o Estado a desperdiçar os seus recursos com obras de luxo.

Quer dar alguns exemplos?

A Expo 98, que foi paga por todos nós com os nossos impostos. O país não ganhou nada com aquilo. O Centro Cultural de Belém é um monstro construído em frente aos Jerónimos com o nosso dinheiro. O país está cheio de rotundas e de obras monstruosas como o Palácio da Justiça. 

Foi a partir do cavaquismo que o país fez algumas dessas grandes obras. 

Tenho toda a consideração pelo professor Cavaco Silva, mas acho que ele não percebeu isso. Não percebeu que esse investimento não era reprodutivo. O investimento que é reprodutivo é em educação, formação profissional e na criação de condições para os pequenos e grandes empresários produzirem riqueza nacional. Desde o agricultor que faz uma criação de galinhas ao grande empresário. Isso é que produz riqueza e só quando um país tem essa riqueza é que pode dar-se ao luxo de fazer autoestradas e coisas desse género. O défice de educação clássica é grave, mas pior é o défice de formação profissional técnica. Os bombeiros, por exemplo, têm uma formação muito baixa e muitas vezes acabam por ser vítimas dessa situação. 

No seu dia-a-dia tem poucos luxos?

Viajo sempre em classe turística nos aviões. No comboio vou em primeira classe por causa do sossego, mas uso muito os transportes públicos. Às vezes, apanho aqui [no Chiado] o 28, mas tenho de ter cuidado. Felizmente, os carteiristas respeitam-me. Ainda nunca contei isto em público, mas uma vez estava na estação de Metro dos Restauradores e no meio da multidão senti uma mão enfiada na minha gabardine e dei um grito ao homem. Ele disse-me: ‘Ai, desculpe, não vi quem era’. Os carteiristas do 28 já me cumprimentam. 

Não tem motorista?

Temos um senhor que é um antigo polícia e que costuma apoiar os nossos filhos. Quando há deslocações oficiais, às vezes, recorro a esse senhor. Mas quando vou, por exemplo, aos jantares no Palácio da Ajuda vou sempre eu a conduzir. Era muito importante que se conseguisse diminuir muito o custo do funcionamento na máquina política. Nas campanhas eleitorais, por exemplo, o eleitor precisa de ter uma informação mais clara possível sobre as propostas de cada partido e sobre o seu passado político. Vender uma ideia política como quem vende um refrigerante não me parece correto. Isso desvirtua a democracia, porque quem ganha as eleições é quem tem o melhor técnico eleitoral para fazer propaganda.

Os partidos são pouco claros e transparentes nas campanhas eleitorais? 

Não dão a informação necessária para o eleitor fazer uma boa escolha. 

Tem uma opinião negativa sobre os políticos que governaram o país em democracia? 

Temos tido bons primeiros-ministros, mas é um bocado por sorte. Também tivemos maus primeiros-ministros. Se temos tido alguns melhores é por sorte. Não há nenhum exame, nenhum teste, nenhuma forma de avaliar a honestidade e a sua carreira no passado. Como também não há forma de avaliar a sua competência profissional. Uma democracia para poder funcionar tem de ser controlada por regras. A pessoa poder ser eleita e a população poder votar em quem quiser dá resultados, por vezes, muito perigosos. O Hitler foi eleito democraticamente. Vários políticos desastrosos no mundo foram eleitos democraticamente por vontade popular. A vantagem do rei é que é uma instituição que não está dependente da política nem dos grupos económicos e grupos de interesses, porque não precisa de dinheiro para ser nomeado. As famílias reais têm meios suficientes próprios e mesmo que não tenham estão preocupadas em que o seu filho e o seu neto desempenhem bem a sua missão. 

As pessoas não poderem escolher quem os governa não é uma limitação? 

Não escolhem, mas podem impedir. Os representantes da Nação podiam impedir ou demitir o rei. Houve reis que foram demitidos. Não houve nenhum caso de um rei no século XX que tivesse feito um mau papel ou tivesse sido demitido e houve inúmeros casos de presidentes da República que foram demitidos ou deviam ter sido demitidos. 

Em Portugal a questão da monarquia não voltou a ser colocada. Não acha que os portugueses sentem que estão bem assim…
É sempre colocada por pessoas politicamente motivadas e pelo movimento monárquico. Há muitos portugueses que são simpatizantes. Provavelmente, metade dos portugueses considera que seria uma alternativa aceitável ter um rei em vez de um presidente da República.

Isso só seria possível de saber através de um referendo.

É proibido pela Constituição. A nossa Constituição não é muito democrática, porque diz que é irrevogável a forma republicana de governo. O professor Jorge Miranda, que é um    grande constitucionalista, disse que isso não impediria o referendo, porque as monarquias hoje tem todas formas republicanas de governo. E, portanto, não inclui especificamente a chefia de Estado. Mas outros constitucionalistas pensam que esta Constituição proíbe o referendo da República.

Faria sentido ouvir os portugueses…

Faria todo o sentido. Claro que o resultado resultaria muito da honestidade da pergunta. Se perguntarem se ‘é a favor do regresso ao regime vigente em Portugal antes de 1910’ é óbvio que o resultado seria muito mau. Mas se a pergunta for honesta estou convencido de que a monarquia ganha em Portugal. Basta ver a abstenção nas eleições republicanas. Quem não vai votar no Presidente da República é porque acha que não vale a pena. 

Qual seria a pergunta que faria num eventual referendo?

Se os portugueses preferem ter uma chefia de Estado republicana eleita ou preferem uma chefia de estado monárquica com o rei hereditário.

Costuma votar?

Não voto nas eleições presidenciais. Também não voto nas eleições para o Parlamento. Se votasse, estaria a tomar uma posição partidária e na minha posição não o devo fazer. Costumo votar nas eleições autárquicas, porque considero que o que interessa é a qualidade pessoal do presidente da câmara e não a etiqueta partidária com que ele vai concorrer. Eu gostaria que nas eleições para os deputados contassem mais as qualidades pessoais dos candidatos.

Como é normalmente o seu dia-a-dia?

É sempre diferente. Desde os convites que recebo das câmaras municipais para visitas até às visitas organizadas pelas reais associações. Amanhã [a entrevista foi realizada na quarta-feira], por exemplo, vou a Trás-os-Montes visitar várias localidades. Visitei recentemente alguns dos concelhos mais afetados pelos incêndios, como Oleiros, Castelo Novo, Alcaide… Fui sobretudo a terras que não tinham sido visitadas pelos políticos. 

Qual a educação que deu os seus filhos? É uma educação especial?

Tive muita pena que não tivessem ido para o Colégio Militar, mas na altura o Colégio Militar ainda era interno e a família, em geral, não gostou da ideia, porque acharam que isso iria cortar um bocado o relacionamento do dia-a-dia com eles. Foi pena, porque perderam uma coisa que os iria ajudar muito no futuro. Tem sido uma educação normal, como a de qualquer estudante. A diferença é a que é dada em casa. Nós em casa vamos tentando incutir-lhes os valores da família. O que tentamos transmitir é que não basta ter sucesso pessoal. É preciso condicionar o sucesso pessoal ao interesse nacional. É necessário dar sempre um bom exemplo. Espero que nenhum deles faça coisas que possa depois envergonhá-los, porque seria um mau exemplo. Nesse sentido, até agora, têm tido muito cuidado e estou convencido de que continuarão a ter.

Prefere que, quando chegar a altura do casamento, eles optem por alguém da aristocracia ou não considera isso importante?

O que lhes tenho dito é que duas pessoas que tenham a mesma base moral, espiritual e cultural têm mais condições para se darem bem do que pessoas que venham de meios culturais muitíssimo diferentes. Essa é a grande preocupação. Não estou a falar da cultura clássica. De saber muito de literatura ou de música. É a cultura de perceber o que é o país. Portugal, para mim, não é só aqui o nosso retângulo. É todos os povos e comunidades que viveram connosco durante séculos e que são nossos irmãos culturais e espirituais. Quando temos férias, tentamos ir a países da CPLP [Comunidade dos Países de Língua Portuguesa]. Já estiveram em São Tomé e Príncipe. Estiveram em Timor. A Maria Francisca trabalhou nas férias grandes num programa social na Guiné. O Afonso está a pensar também ir trabalhar para a Guiné nas férias. Esse aspeto cultural e espiritual é fundamental. Depende da formação. Conheço pessoas de meios operários, sobretudo nos meios rurais, com uma formação espiritual e moral muitíssimo boa.

Conta ter alguma interferência na escolha?

Só se eu tiver totalmente em desacordo é que poderei tentar opor-me, mas não sei se vou ter sucesso. Aquilo que os pais dizem tem pouco efeito. O que tem efeito é o exemplo que os pais dão. Os filhos acabam por interiorizar é o exemplo dos pais. Se os pais dizem uma coisa, mas depois atuam de maneira diferente isso não tem resultado nenhum. Tenho na família casos assim. Houve primos meus que acabaram por não seguir o melhor caminho, porque os pais eram incoerentes. 

A forma como comentou o casamento do príncipe Harry gerou alguma polémica por ter dito que deve ser complicado ver a mulher na cama com outro…

Fico muito feliz por poder explicar. O que eu disse é que quando há uma grande diferença cultural podem existir problemas no casamento. Isso foi descontextualizado por uma revista portuguesa e acabou por chegar a Espanha. Uma revista diz que eu fiz afirmações racistas. Isso é muito injusto e estúpido, porque eu comecei por elogiar o casamento do príncipe Harry. 

O que queria dizer com isso? 

Isso já não tinha a ver com o casamento inglês. Eu disse isso por graça. Foi uma resposta espontânea. Há atrizes de cinema que são exemplares e dariam ótimas mulheres para um filho meu. Disse por graça que poderia haver cenas de cinema chocantes. É estúpida e injusta a acusação de que fiz uma afirmação racista. Toda a minha vida fui a favor de que Portugal tinha de ser um país multirracial. Aceitar todas as culturas de origem portuguesa. Isso não impede de compreender que há diferenças culturais enormes entre os povos. Ignorá-las é fechar os olhos à realidade.