Quando a esmola é grande…

A notícia de que os impostos não iriam aumentar este ano foi saudada com trombetas por quase todos os comentadores.

Paulo Portas, o obreiro dessa 'vitória', viu-se coberto de elogios – enquanto Maria Luís Albuquerque, a ministra das Finanças, era apresentada como a bruxa má que defendia a posição contrária.

Ao mesmo tempo, chegavam a Portugal os ecos de uma intervenção de Mario Draghi, presidente do Banco Central Europeu, interpretada como uma recusa implícita das políticas de austeridade.

Os riscos de “fazer de menos” para estimular a economia ultrapassam os de “fazer de mais”, disse Draghi.

Assim, de um momento para o outro, os críticos da troika celebravam duas 'vitórias'.

E lá vieram outra vez as invectivas contra a senhora Merkel, a líder das bruxas más, que estaria cada vez mais isolada. 

Com  uma persistente regularidade, fazem-se ouvir as vozes que consideram  “insustentável” a receita da austeridade que tem vindo a ser seguida na Europa.

Mas será mesmo?

Ou insustentável era, pelo contrário, o consumismo desregrado e crescente dos europeus?

Para o percebermos, pensemos no seguinte: a Europa produz hoje muito menos do que produzia há 50 anos – e consome muito mais do que consumia há 50 anos.

Nas últimas décadas, o consumo não parou de aumentar – enquanto a produção industrial não parou de definhar.
É óbvio que este ciclo tinha de ter um fim – e os europeus teriam de se habituar a consumir menos.

A indústria automóvel é um bom espelho desta verdade.

Há 50 anos, a Europa dispunha de uma indústria fluorescente: os italianos vendiam os Fiat como pãezinhos quentes, a França produzia aos milhões os Citröen, os Renault, os Peugeot e os Simca, a Inglaterra exportava toneladas de Austin e Morris (recordem-se os célebres Mini), a Suécia dava cartas com o Saab e o Volvo, a Espanha vendia bem o Seat…
Hoje, na indústria automóvel europeia, apenas a Alemanha mantém a cabeça de fora.

Os carros italianos, franceses e ingleses foram, em boa parte, substituídos pelos japoneses e pelos sul-coreanos: Honda, Toyota, Nissan, Kia, Hyundai, etc.

Tal como a indústria automóvel, outras indústrias estacionadas dentro das fronteiras da Europa foram deslocalizadas para outras regiões do mundo, sobretudo para o Oriente, produzindo uma diminuição das  receitas.

Mas as famílias e as nações não se ajustaram aos novos tempos, negando-se a adequar o consumo àquilo que produziam. 

Assim, muitos países começaram a acumular dívidas tremendas.

A inviabilidade do modelo que estava a ser seguido, e a necessidade premente de medidas de austeridade, foram evidentes em Portugal: caminhávamos para o abismo antes do resgate, e as políticas restritivas da troika permitiram inverter a tendência decrescente do PIB e travar a queda do desemprego.

Na sua intervenção, Draghi também falou da necessidade de combater o desemprego, que é de facto um terrível flagelo.

Mas pergunta-se: a solução será voltar ao passado?

Será estimular o consumo, para aumentar a produção e promover a oferta de trabalho?

Essa receita já foi usada em 2009 e viu-se no que deu: em Portugal, a dívida subiu em flecha, precipitando a bancarrota.

A questão terá, portanto, de ser encarada de outra maneira.

Se muitas indústrias emigraram para fora da Europa; se há tecnologia que substitui cada vez mais mão-de-obra em todos os sectores (os robôs na indústria, a maquinaria pesada na agricultura, os computadores nos serviços) – a oferta de emprego será cada vez menor.

É preciso, pois, começar a encarar o emprego e o desemprego em termos novos, encontrando respostas criativas e originais.

Querer combater artificialmente o desemprego, promovendo o emprego pelo emprego, terá consequências terríveis na economia.

Há um sábio ditado português que diz: “Quando a esmola é grande, o pobre desconfia”.

Há que desconfiar das soluções milagrosas, como se bastasse um estalar de dedos de Draghi ou um não aumento de impostos pressionado por Portas para tudo mudar.

A realidade permanece por detrás do fogo-de-artifício. 

Ninguém impõe austeridade por prazer, como ninguém aumenta impostos por gosto. 

O contrário é que pode ser verdade: diminuírem-se impostos para agradar ao povo e ganhar votos, como fazem os demagogos.

Por isso, muito mais do que dar vivas a Draghi ou fazer elogios a Portas, louvo as palavras do vice-presidente do PSD, Matos Correia, também proferidas na semana passada: “Temos de ter um Orçamento credível, realista e adequado ao cumprimento dos nossos compromissos. E que não demonstre qualquer tipo de preocupações eleitoralistas”.

Espero que o PSD e o Governo honrem este compromisso até ao fim.

jas@sol.pt