‘Os códigos de barras vieram permitir o que é hoje a grande distribuição’

Entrevista a João Castro Guimarães, diretor executivo da GS1 Portugal

‘Os códigos de barras vieram permitir o que é hoje a grande distribuição’

A GS1 começou no setor nos bens de grande consumo e tem alargado o âmbito da atividade. A saúde é a grande aposta mais imediata e é estratégica. O setor financeiro é oportunidade.

O que é a GS1 Portugal?

A GS1 Portugal Codipor tem 32 anos de existência em Portugal. Começou em novembro de 1985, que é um ano muito interessante no nosso país, o ano em que Portugal entrou para a Comunidade Europeia, o ano em que os códigos de barras vieram permitir a existência de um modelo de negócio que hoje em dia é conhecido como a grande distribuição ou a distribuição moderna. Os ditos ‘fast moving consumer goods’. Era um modelo que sem os nossos códigos não seria possível haver.  Isto porque todos os códigos são uma breve sequência numérica, que podem ter 13 dígitos, ou  18, ou mais, que são pequenos algoritmos que identificam de uma maneira única, inequívoca e global. Identificam bens, produtos, locais, com este princípio. Evoluímos muito. Estamos já associados à digitalização da economia. O retalho português tem sido digitalizado pelos nossos serviços. Por uma ferramenta que é a Sync Pt, uma plataforma de transmissão de dados que fala com outra plataformas em todo o mundo, tudo debaixo de um ‘standard’ GS1.

Como funciona a GS1?

Somos uma associação de direito privado sem fins lucrativos e do nosso ADN faz parte a neutralidade. E é uma mais valia. Vemos a neutralidade como algo que nos diferencia. Prestamos serviços na distribuição moderna numa posição que dificilmente outra organização faria. Estamos em condições de medir os níveis de serviço potenciando e evidenciando as áreas de melhoria que possa haver.  Assenta numa comparação em que estão inseridas as grandes insígnias do retalho português, assim como 30 ou 40 das maiores e médias empresas em Portugal. Somos detidos pelos nossos associados mas temos um ‘trade mark agreement’ que nos permite sermos os únicos representantes da GS1 em Portugal. 

Como definiria a atividade da GS1?

Vou tentar ser simples: quando nascemos somos identificados e registados numa base de dados com uma identificação única e inequívoca e global. E com essa identificação podemos fazer a analogia para um produto à saída de uma fábrica, ou para uma matéria-prima, que pode ser identificado de uma maneira única, inequívoca e global. Na fábrica vê-se bem. Há um produto e esse produto tem uma sequência numérica de 13 dígitos. Os três primeiros identificam o país, tal como nos telefones. Depois fazemos um algoritmo com a identificação de país, empresa, produto. No fim há um dígito de controlo. Depois há um 14.º dígito que identifica que dentro de uma caixa viajam dois ou quatro ou seis produtos. A etiqueta logística dá-lhe a informação toda. O prazo de validade, o número de unidades de caixa. Depois tem uma parte humanamente legível e há uma componente numérica, as sequências transferidas por barras. Depois do produto, caixa e palete identificados, vai agregar as paletes que vão para os contentores e ao agregá-las permite que a informação, via ‘cloud’ esteja preparada e torne mais eficiente a descarga.  E permite, caso seja necessário fazer a recolha de um produto e reconstituir todas as etapas por onde o produto passou e fazer a recolha de uma maneira muito mais segura e eficiente. E permite gerir e controlar inventários de outra forma. Os nossos códigos vieram de tal forma ajudar que já são uma ‘commodity’ do dia a dia. Já ninguém lhes dá o valor. 

A GS1 tem o exclusivo da codificação em Portugal? 

Não. Códigos qualquer um pode ter. O que nós temos é o exclusivo dos standards GS1. Por exemplo, no setor da saúde será obrigatório utilizar os nossos standards devido a uma diretiva de há dois anos de luta contra o medicamento falsificado. Todos os reguladores recomendavam um código global para o setor da saúde. Para se simplificar a transferência entre países e o crescimento do negócio. Fizemos um estudo que revelou que que há ‘savings’ de 280 milhões de euros anuais com um número de série. É este que vai ser utilizado obrigatoriamente. São números de série homologados numa base de dados europeia, que vai ler o produto. Como é com os ‘data matrix’, que são bidimensionais, ou os ‘QR Codes’, que são a mesma coisa, podem num milímetro quadrado ler 1000 carateres alfanuméricos. A diretiva obriga a colocar o código do produto, os prazos de validade. O número de série é usado para verificar se o produto é ou não falsificado. Se não tiver um dos números consignados é sinal que vem dos mercados paralelos.

Mas depois há penalizações?

Não. A partir de março ou fevereiro do ano que vem haverá códigos GS1 obrigatórios para medicamentos e em 2020 para dispositivos médicos. Há inércias próprias do setor da saúde. E os códigos nunca foram prioridade e deviam ter sido. É uma grande vantagem.

Além da saúde, que grandes outros setores trabalham com a GS1?

Temos o setor dos bens de grande consumo, que é o nosso setor de origem. Setor alimentar. Temos mais de 8000 empresas associadas. E este ano temos mais cento e tal e tal empresas. 90% são pequenas e médias e micro empresas. O setor da saúde é estratégico e também queremos implementar em Portugal o setor financeiro, que é um setor que precisa de muita transparência ao longo da cadeia de valor. O G20 já decidiu. É inadiável. Não queremos perder a oportunidade. Estamos a certificarmo-nos hoje para poderemos alocar os prefixos GS1 para a área financeira. Não será exclusivo GS1. Estamos também interessadíssimos numa parceria com a Marinha. Assinámos um protocolo e como calcula uma boa gestão de inventário é importante. Desde que haja vontade. Não podemos obrigar as organizações a aderir. Mas que daríamos grandes vantagens não tenho dúvidas. Por exemplo o exército brasileiro conseguiu fazer ‘savings’ no seu inventário de material de intendência de 20% do nível de ‘stock’. Controlaram esse material com a implementação dos nossos códigos. Permitiu gerir melhor.

É um tipo de identificação que é transversal a todos os setores?

A todos. Às portas de Lisboa e do Porto temos armazéns da construção civil com centenas de milhares de códigos. Mais de 100 mil referências, que é tanto como tem o Colombo. E não há codificação sistematizada. Imagina o que é que isto pode gerar em termos de eficiências, de não perdas de materiais, de uma boa e correta gestão de inventário, de uma boa rastreabilidade. Nós temos possibilidade de ajudar muito setores e atividade. Numa altura que se fala do ‘last mile’, do ‘end to end suply chain’, onde a digitalização tem um papel vital. Nós estamos a digitalizar o setor do retalho. E  outros setores. Temos vantagens de melhor utilização dos bens, evitar o desperdício, ajudar a desenvolver a economia circular. E é dessa forma que a nossa organização se está a posicionar. Poder prestar ajuda. Os nossos ‘drivers’ são a sustentabilidade; eficiências e melhor utilização dos recursos naturais e minimização dos impactos ambientais; a transformação digital e  a inovação.