As vítimas de Pedrógão não merecem este desprezo

A tragédia que se abateu sobre Pedrógão Grande, que amanhã fará um ano, demonstra bem como Portugal vive a duas velocidades, sendo otimista, e de como os custos de viver no Interior são mais elevados do que pode parecer. Morreram 66 pessoas e centenas de casas foram consumidas pelas chamas que não tiveram piedade na…

A tragédia que se abateu sobre Pedrógão Grande, que amanhã fará um ano, demonstra bem como Portugal vive a duas velocidades, sendo otimista, e de como os custos de viver no Interior são mais elevados do que pode parecer. Morreram 66 pessoas e centenas de casas foram consumidas pelas chamas que não tiveram piedade na sua fúria. Marcelo Rebelo de Sousa sempre disse que não ia deixar os sobreviventes à sua sorte e que iria fiscalizar o apoio estatal e não só. E o que pode dizer-se um ano depois? Que 40% das casas destruídas continuam por concluir e que ainda há pessoas a viver sem água, luz ou eletricidade.

Quando está mais do que provado que a resposta das entidades responsáveis no combate aos incêndios falhou em toda a linha, o Estado permite que 365 dias depois tantos habitantes ainda não tenham casa. Como é isto possível? Que raio de país é este que não consegue num ano fazer 300 casas? Mas é preciso ir buscar os melhores engenheiros e arquitetos para fazer 300 simples moradias? Fala-se que proprietários que tinham ali a sua segunda habitação, casa de férias, se terão aproveitado e que, por isso, o processo foi atrasado. Mas isto faz algum sentido? Quem tinha a sua casa de férias não fazia a economia local funcionar? E foram eles os culpados da incúria do Estado?

Em primeiro lugar, os donos dessas casas também merecem ser ressarcidos dos erros do Estado; depois, nada disso deveria impedir as autoridades de fazerem primeiro e pedirem explicações depois. Esta semana toda a comunicação social voltou a Pedrógão e o que viu é assustador. É que até agora os feridos estavam escondidos e ao surgirem percebemos como as feridas físicas e psicológicas se vão manter por ali durante muitos anos.

E o que dirá Marcelo quando regressar a Pedrógão e olhar para o que não foi feito? E as pessoas que foram, de certa forma, abandonadas à sua sorte? Volto a repetir: como é possível o Estado não ter dado prioridade máxima aos ‘desalojados’ de Pedrógão? 

 É quase incompreensível vermos que clubes de futebol veem as suas dívidas serem perdoadas pelos bancos; que há dinheiro para diferentes festivais; que não faltam bicicletas gratuitas nas principais cidades – num negócio de alguns milhares de euros -, só para dar alguns exemplos, mas não houve dinheiro nem tempo para dar o devido conforto às vítimas que sobreviveram à tragédia. 

É certo que houve muitas entidades públicas e privadas que deram o seu contributo, o próprio Estado fez parte do seu papel. Mas ao ver as imagens dos sobreviventes e de como vivem é impossível não ficar com uma grande revolta. Um Estado de bem não pode permitir isto. Toda a situação é dramática e nos próximos anos as vítimas de Pedrógão e as de outubro merecem que nunca nos esqueçamos delas e que estejamos vigilantes para que possam viver com dignidade.

vitor.rainho@sol.pt