A hora da canábis medicinal

O Parlamento aprovou ontem os termos de uso de preparações à base canábis para fins terapêuticos. Autocultivo não avançou. Governo terá dois meses para fazer regulamentação.

Os médicos vão poder prescrever produtos à base de canábis aos doentes mas sempre mediante uma receita especial e só quando os tratamentos convencionais com medicamentos autorizados não estiverem a produzir os efeitos esperados ou se estiverem a provocar efeitos adversos relevantes. O Parlamento aprovou ontem por maioria o projeto-lei que tinha sido fechado na Comissão Parlamentar de Saúde e que deixou cair a ideia de ser legalizado o auto cultivo da planta por parte de doentes, definindo assim em que condições deverá avançar o uso terapêutico. 

Após a publicação do diploma, o Governo terá dois meses para tratar da regulamentação, nomeadamente definir o modelo de receita, que terá de incluir a identificação do utente e do médico, o medicamento, preparação e substância a ser dispensada, a quantidade e posologia bem como a via e modo de administração. Só com esta receita é que os doentes poderão transportar os produtos. Espera-se que a circulação de canábis para fins terapêuticos tenha lugar apenas no circuito normal dos medicamentos, já que todos os produtos que poderão ser prescritos pelos médicos terão de passar pelo Infarmed como qualquer outro fármaco e serão vendidos nas farmácias, apenas nas indicações terapêuticas validadas pelo regulador.

A votação contou com a abstenção do CDS e com os votos favoráveis das restantes bancadas. O PCP deixou claro que era preciso todas as cautelas para que este avanço não contribuísse para uma facilitação do consumo de canábis com fins recreativos. Já o BE sublinhou que a aprovação por maioria deixou claro que, ao contrário do que fora dito durante o período de discussão, havia necessidade de legislação específica como a que agora foi aprovada. Uma das entidades que questionou a necessidade de legislar, dando parecer desfavorável à ideia de autocultivo de PAN e BE, foi o Conselho Nacional de Ética para as Ciências da Vida. Segundo o CNECV, não havia necessidade de legislar pois a lei já permite a comercialização de medicamentos que contenham canábis. Ontem, depois da aprovação, Moisés Ferreira recusou esta tese. «Era necessário e urgente legislar porque a terapêutica não estava a chegar a ninguém», insistiu o deputado bloquista.

Chegará agora? Até ao momento há apenas um medicamento à base de canábis com autorização de venda em Portugal, um spray indicado para a melhoria dos sintomas relacionados com a rigidez muscular nos doentes com esclerose múltipla. O problema é que apesar de ter autorização de introdução de mercado no país desde 2012, nunca foi comercializado.  Maria do Céu Machado, presidente do Infarmed, deixa desde já um aviso: «O Infarmed não vai buscar medicamentos nem produz medicamentos. O Infarmed aceita que as empresas submetam dossiês, que proponham os seus produtos para serem avaliados e depois comercializados. Terão de ser as empresas que produzem canábis a submeter os seus dossiês», disse a responsável numa entrevista ao jornal i, que será publicada na próxima semana. Para já, a médica garante que não chegaram novos pedidos de medicamentos à base da planta canábis para serem aprovados pelo regulador do medicamento. Diz também desconhecer por que motivo o spray aprovado em 2012 nunca foi comercializado em Portugal.

O diploma aprovado esta sexta-feira no Parlamento prevê que o Laboratório Militar possa contribuir para a produção de medicamentos, preparações e substâncias à base da planta. Em alguns países, a opção foi de facto uma produção por parte do Estado. É o caso de Israel ou da China.