O luxuoso Plano Integrado de Entrecampos

O Plano para os terrenos da antiga Feira Popular obriga a fazer várias perguntas ‘chatas’

A Câmara Municipal de Lisboa inventou – e ‘inventar’ é o termo certo – uma figura jurídica/urbanística que não existe na legislação, que nenhum tribunal dirimiu e que não se ensina nas faculdades de Direito e de Arquitetura. Chamou-lhe o Plano Integrado de Entrecampos. 

O Plano é na verdade integrador: integra uma parte de verdade. E outra parte de aldrabice pegada. 

É verdade que a Câmara vai vender os terrenos da antiga Feira Popular em cinco lotes, porque das duas vezes que tentou vender num só lote, por 130 milhões, ninguém comprou. É verdade que vai vender os cinco lotes para escritórios e 279 apartamentos a preço de mercado, ou seja, a (pelo menos) um milhão de euros. 

A mentira e aldrabice é que vão existir 700 fogos com renda acessível. Em primeiro lugar, porque a Câmara não tem dinheiro para ser ela a fazê-los. Se bem se recordam, no final de 2016 a CML pediu 250 milhões de euros ao Banco Europeu de Investimento para fazer obras na cidade, sobretudo para reabilitar os bairros municipais Padre Cruz e da Boavista (esses 250 milhões de euros vão ser pagos pelos lisboetas durante 20 anos, nunca se esqueçam!).

Em segundo lugar, porque a Câmara anunciou no ano passado 15 concursos para construtores privados fazerem apartamentos em renda acessível e ninguém os quis fazer. Os concursos feitos ficaram desertos. Não houve mais concursos, não há obras, não há casas. 

Portanto, é verdade que vai haver 279 apartamentos de luxo em Entrecampos, daqueles que custam milhões de euros.

Mas é falso que vá haver apartamentos de renda acessível. 

Mais: basta olhar para a Av. Das Forças Armadas, onde estão as residências universitárias, para se perceber que ali não cabem 700 fogos para famílias viverem.

A Santa Casa da Misericórdia, no entanto, já lá afixou um cartaz com uma mensagem que levanta a dúvida: vai lá fazer alguma coisa? Mas não é a Câmara, pois não? Esta questão tem de ser explicada rapidamente.

Voltando atrás, às hastas públicas dos cinco lotes dos terrenos da antiga Feira Popular, várias perguntas muito importantes têm de ser feitas. Perguntas ‘chatas’, eu diria, mas que defendem o interesse público. Parece que as hastas públicas vão começar em setembro. Serão concursos internacionais? Vai haver convites a privados? Qual o papel da empresa municipal SRU (Sociedade de Reabilitação Urbana) nisto? Foram feitos estudos de impacto ambiental? Onde estão? Foram feitos estudos de tráfego? Onde estão?

Como pretende a Câmara de Lisboa fazer uma hasta pública de lotes sem ter feito as infraestruturas primeiro?
Talvez se comece agora a perceber porque lhe chamaram Plano Integrado – pois, ao não cumprir os requisitos legais, não lhe podem chamar Plano de Urbanização. Pois não?