Bolsa. Indústria do papel volta a disparar

Empresas do setor têm sido as estrelas desde o início do ano.

Há cerca de um mês sublinhava-se que as empresas do setor eram as que mais motivos tinham para sorrir: tinham sido as que mais conseguiram aumentar os lucros este ano. No primeiro trimestre, só a Navigator viu os lucros subirem 50%. No entanto, se alguém pensou que as conquistas iriam ficar por ali, enganou-se. Tanto a Altri como a Navigator dispararam mais de 5% e animaram a bolsa. As ações da ex-Portucel ganharam 5,36% para 5,19 euros, a subir pela primeira vez em sete dias, e as da Altri subiram 5,13% para 8,61 euros. Foi também por aqui que a bolsa nacional conseguiu acompanhar a tendência das congéneres europeias.

Na verdade, de uns tempos para cá, falar das cotadas do setor da bolsa portuguesa é falar das estrelas da bolsa. No início do ano, foram mesmo atingidos máximos históricos. Desde o início do ano, a sua valorização rendeu 1,5 mil milhões de euros ao PSI 20.

No geral, pode dizer-se que as empresas da bolsa portuguesa arrancaram o ano com o pé no acelerador quando o assunto é lucrar. Só nos primeiros três meses do ano, ganharam, ao todo, 765 milhões de euros. Falamos de mais 130 milhões, ou seja, mais 20% do que no mesmo período de 2017. Na base desta melhoria generalizada de resultados está, sobretudo, a retoma da economia e a subida de preços das matérias-primas.

Tendo por base os dados da Patris Investimentos, o destaque deve e tem de ser dado às empresas da indústria do papel. A Altri somou 32 milhões de euros, duplicou os lucros. A Semapa viu os resultados duplicarem. A Navigator aumentou os lucros em quase 50%, para os 53 milhões.

A verdade é que os lucros da Navigator aumentaram, mas o investimento do grupo também: 14,3 milhões face ao mesmo período de 2017, totalizando 28,6 milhões. Os dois grandes projetos que tem em curso – a construção da fábrica em Cacia e a melhoria da unidade da Figueira da Foz – representaram 53% do total dos investimentos que têm vindo a ser feitos.

No entanto, esta tendência de subidas não fica por aqui. Os lucros e investimentos aumentaram e haverá também subidas de preços. No final de abril a empresa portuguesa anunciou aumentos de 5% a 7% no papel vendido ao Médio Oriente, África, Turquia, Ásia, Oceânia e América Latina. Um aumento semelhante foi anunciado para o mercado norte-americano. Mas também na Europa haverá alterações nos preços do papel. A empresa refere que esta decisão se deve ao «contínuo aumento nos nossos custos de produção». E a subida acontece já a partir de 1 de julho.

Nova dinâmica

A indústria do papel aparece agora em destaque graças aos bons resultados, mas nem sempre foi assim. Em 2017, na altura em que mais se discutiu a reforma da floresta, nomeadamente a medida que previa um travão à plantação de eucalipto, os dados fornecidos pelo Instituto Nacional de Estatística (INE) mostravam que as importações de papel, cartão e obras de pasta de celulose estavam a aumentar, assim como as ameaças destas empresas, que chegaram a pôr em causa os investimentos em Portugal. 

Em 2013, Portugal importava de todo o mundo mais de 945 milhões de euros em papel e pasta, mas o valor começou a aumentar de ano para ano. Em 2016, as importações neste setor chegaram a mais de 990 milhões de euros e muitos começaram a admitir que a tendência fosse continuar a importar cada vez mais matéria-prima. Um dos países que mais vendia aos empresários portugueses foi a Espanha, mas outros foram ganhando terreno, nomeadamente, a China.

Uma fonte ligada ao setor explica que «os preços do papel em Portugal começaram a aumentar e houve extinção de alguns tipos de papel que eram fabricados em Portugal. A solução foi procurar em países como a China».

De acordo com a Associação da Indústria Papeleira (Celpa), «o tipo de papel que as empresas do setor gráfico utilizam é, naturalmente, o papel de Impressão Offset. Portugal, através de uma das associadas da Celpa, a The Navigator Company, é líder europeu na Produção dos Papéis de Escritório e de Impressão para a Indústria Gráfica. Os papéis revestidos (também designados coated papers ou papel couché) não são produzidos em Portugal e são naturalmente importados. Alguma importação extracomunitária, de papéis do tipo dos produzidos no país é feita com produtos de gamas de qualidade inferior e a preços consequentemente mais reduzidos».

Para sustentar esta posição, a Celpa recordou, no boletim estatístico de 2015, que num «contexto de informações neutras relativamente às expectativas dos agentes económicos face ao futuro, de taxas de juro negativas e de uma perspetiva de baixo crescimento económico para os próximos anos, o setor da pasta e do papel conseguiu manter os seus níveis de produção, tendo a produção total de pasta (de fibra virgem e de papel para reciclar) aumentado 1,5% e a produção total de papel também crescido 1,5%».

Ainda assim, existem vários empresários portugueses que apostam cada vez mais em comprar papel a outros países, a preços que consideram mais acessíveis. Até porque, defendem, a maioria do papel nacional tem como finalidade a exportação. «Se exportam quase tudo, é preciso ir comprar lá fora, mesmo que seja o que foi fabricado cá», explica ao SOL o proprietário de uma gráfica. 

O ano do descontentamento 

Travar ou não a produção mereceu várias discussões e a decisão do Governo de condicionar a área de plantação de eucaliptos levou a indústria do papel a mostrar descontentamento. As maiores empresas do país admitiram mesmo acabar com alguns investimentos no país.

Capoulas Santos, ministro da Agricultura, não deixou margens para dúvidas e sublinhou que «não vamos permitir que a área de eucalipto aumente. Há muito eucalipto onde não pode estar e há terrenos onde é possível produzir o dobro. O que queremos fazer é reorganizar tudo». Mas a medida não agradou à indústria, que não baixou os braços e continuou a assumir o descontentamento pela política pensada para os eucaliptos.

Pedro Queiroz Pereira, presidente do conselho de administração da Navigator Company, explicou mesmo que «perdem as empresas deste setor, que veem agravada a sua competitividade externa, e perde o país, sob a forma de escoamento de divisas e de destruição de postos de trabalho».

Além disso, Queiroz Pereira não escondeu que poderiam estar em risco futuros investimentos, uma vez que «se torna cada vez mais difícil a vida das empresas produtivas e mais arriscados os investimentos».

Mas mais do que lamentar as medidas anunciadas pelo Governo, o presidente da Navigator Company destacou que estavam em causa «barreiras e obstáculos à plantação e replantação de eucalipto, que é discriminado em relação a outras fileiras florestais, sem qualquer justificação económica ou ambiental e com a consequência, imediata e a prazo, de um ainda maior abandono de propriedades rurais em Portugal».

Esta posição não foi tomada apenas pela Navigator Company. Também a Altri depressa ameaçou travar os investimentos caso Portugal demonizasse o eucalipto. Paulo Fernandes chegou mesmo a aproveitar a assinatura de contratos no valor de 125 milhões de euros na Celbi e Celtejo para deixar avisos muito claros ao Executivo de António Costa.

Ainda assim, no final do ano passado, associações como a Quercus e a Acréscimo garantiam que o Executivo de Costa já tinha aprovado mais plantações do que o Governo PSD/CDS.