Quando a Justiça espanhola confunde todos

A forma como olhamos para a Justiça tem muito a ver com a proximidade aos temas que estão em julgamento. Indo direto ao assunto, nos últimos meses foram muitos os que se insurgiram contra a decisão de um tribunal espanhol de ter decretado a prisão de meia dúzia de líderes catalães que defenderam a independência…

A forma como olhamos para a Justiça tem muito a ver com a proximidade aos temas que estão em julgamento. Indo direto ao assunto, nos últimos meses foram muitos os que se insurgiram contra a decisão de um tribunal espanhol de ter decretado a prisão de meia dúzia de líderes catalães que defenderam a independência e recusavam vergar-se à coroa espanhola. Muito se disse que a decisão foi mais política do que de justiça, mas os independentistas passados tantos meses continuam presos em Madrid.

A ‘mesma’ Justiça acabaria por agradar à esquerda – que tanto desagradara em relação aos catalães – quando decretou a prisão efetiva do cunhado do Rei Filipe VI, acusado de corrupção, depois de se ter provado que desviou milhões de euros de dinheiros públicos para uma instituição sem fins lucrativos, que o próprio Iñaki Urdangarin presidia. O cunhado de Filipe VI cumprirá, em princípio, uma pena de cinco anos e 10 meses numa prisão até agora só habitada por mulheres: a ala dos homens deverá ser inaugurada pelo antigo campeão de andebol pelo Barcelona. 

A Justiça, neste caso, funcionou, disse-se, já no caso dos independentistas a história ou a leitura da sentença, como sabemos, foi outra. Para complicar ainda mais a visão de uma Justiça cega e muda aos interesses instalados, esta semana ficou a saber-se que um tribunal espanhol decidiu que cinco violadores de uma jovem que se tinha embebedado na festa de San Fermín fossem libertados depois de terem sido condenados a nove anos de cadeia. A leveza da pena que já tinha sido tão contestada nas ruas do país, por ser considerada branda, atendendo a que os juízes decidiram que não houve violação mas sim abuso sexual, deixa-nos ainda mais incrédulos sobre a instituição que tem o poder de decidir quem vai ou não preso por supostos crimes.

Acontece que a Justiça também tem muito de subjetivo e é feita por homens, logo a interpretação que dão aos factos é muito pessoal. Percebe-se que quem condenou os líderes catalães não deve ser grande apologista da independência e que quem deu ordem de soltura aos violadores não deve ter filhas nem mulher. Ou então deve ter feito um estágio de Justiça na Arábia Saudita ou no Afeganistão com os talibãs.

Já no que diz respeito a Iñaki Urdangarin estão todos de acordo, penso que até os monárquicos. O cunhado do Rei deu uma golpada miserável nos dinheiros públicos e, por isso, só vai poder ver a mulher meia dúzia de vezes por mês e irá habituar-se aos luxos de uma cadeia.

P. S. Mas de Espanha veio outra notícia que me surpreendeu; Mariano Rajoy, depois de ter sido corrido da presidência do Governo, voltou ao seu antigo trabalho de funcionário público, onde voltará, em princípio, a desempenhar as funções de conservador do registo predial. Rajoy terá poucos mais anos até chegar à idade da reforma, já que tem 63 anos, mas não deixa de ser insólito ver um antigo primeiro-ministro da direita mais conservadora e que era acusado de ter pactuado com casos de corrupção no seu partido voltar ao seu humilde trabalho. É com atitudes destas que os políticos enobrecem a atividade que se quer em prol dos outros – confesso que não tenho qualquer simpatia por Rajoy, mas que me surpreendeu, surpreendeu!

vitor.rainho@sol.pt