A oportunidade do interior

Fazer da calamidade que atingiu o interior de Portugal uma ‘oportunidade’ – é este o desafio que hoje se coloca.

Há 30 anos menos dois meses, no dia 25 de agosto de 1988, aconteceu o incêndio do Chiado. Com ele ardeu uma zona emblemática da capital do país, situada mesmo no coração da cidade, celebrada por escritores, com estabelecimentos históricos como os Grandes Armazéns do Chiado e local de referência dos lisboetas e dos que vinham a Lisboa.

Mas depois do choque, veio a reação. O presidente da Câmara de Lisboa, Krus Abecasis, encomendou a reabilitação a um arquiteto do Porto, Siza Vieira, este fez o projeto (que poderia ter sido mais ambicioso) e o local foi reconstruído. 

E hoje o Chiado tem mais gente, mais vida e um comércio mais lucrativo do que tinha antes do incêndio.

Ou seja: o incêndio foi uma oportunidade para o Chiado se modernizar.

É claro que o aumento do turismo teve aqui um importante papel.

Mas o ponto que interessa sublinhar é este: o incêndio não matou o Chiado, este reergueu-se, e está hoje mais pujante do que estava.

Usei o exemplo do Chiado para dizer que o incêndio de Pedrógão Grande pode ser uma oportunidade para o interior do país.

Não basta afirmar que esta tragédia não pode repetir-se – isso é por demais óbvio. 

A questão é outra: trata-se de aproveitar esta ocasião em que o interior está sob os holofotes, em que é preciso reconstruir muita coisa, em que aqui e ali é necessário recomeçar do zero, para reerguer o interior do país – e torná-lo melhor do que era antes da catástrofe.

É este o desafio.

Dar um novo fôlego, uma nova esperança ao interior de Portugal.

E para isso, além do papel que deverão ter as empresas, os particulares e as instituições privadas, o Estado pode fazer muita coisa.

Até aqui o Estado só tem contribuído para a desertificação. 

Ao fechar maternidades, creches, escolas, tribunais, repartições de finanças, centros de saúde, agências da CGD, o Estado retirou do interior muitos milhares de pessoas: as que trabalhavam nesses serviços, os familiares que delas dependiam e as populações que desistiram de ali viver, pensando: se o Estado não acredita na viabilidade destas terras, como podemos nós acreditar?

Cabe hoje ao Estado assumir a atitude contrária: deixar de fechar serviços e passar a apostar no interior. 

Mas isso não chega. O Estado tem de criar condições para as pessoas não fugirem do interior – mas tem sobretudo de fazer o que for necessário para as pessoas serem atraídas pelo interior.

Uma questão decisiva é a água: onde há água, há gente. Por isso, as barragens, tão criticadas por alguns, são importantíssimas. Veja-se como Alqueva atraíu agricultores.

E a agricultura (a par da pecuária) é importante na fixação de famílias e na substituição de importações. Mete dó ver a quantidade de produtos importados que enchem as prateleiras dos supermercados – frutas, legumes, queijos, carnes, até enchidos –, os quais, a serem cá produzidos, fixariam muita gente. 

Noutro plano, um contributo que o Estado pode dar ao interior é fomentar o turismo interno. Na TV, na rádio, nos jornais (por exemplo, distribuindo maciçamente guias sobre as cidades, a gastronomia e o património natural e construído do interior do país).

Sou um liberal e defendo que a iniciativa privada deve agir livremente, sem protecionismos artificiais. 

Dou estes exemplos para mostrar que, no desenvolvimento do interior de Portugal, o Estado será sempre insubstituível na criação de condições para as populações e as empresas se fixarem; ou para os produtores nacionais poderem competir com os estrangeiros em situação de igualdade; ou para promover o património e fomentar o turismo.

Fazer da calamidade que atingiu o interior de Portugal uma ‘oportunidade’ – é este o desafio que hoje se coloca.

Voltarei ao tema. 

Itália e os refugiados

A notícia de que a Itália não deixou atracar nos seus portos um barco com 629 migrantes, incluindo 123 menores e 7 grávidas, foi recebida com enorme indignação. E visto isoladamente, o ato parece de facto abominável, repugnante, vergonhoso.

Só que não era um acontecimento isolado. Nos dias anteriores tinham aportado a Itália outros barcos cheios de migrantes, incluindo crianças e grávidas, e nos dias seguintes aportariam outros mais. E eu pergunto: será esta situação sustentável indefinidamente? Será possível este movimento não ter fim?

Em Valência, onde os refugiados desembarcaram, foi montada uma gigantesca operação envolvendo 2.200 pessoas. Só tradutores eram 200! E a Cruz Vermelha encheu um armazém com caixotes de roupas, alimentos, medicamentos, etc. Ora, é possível montar uma operação destas para um barco. Mas será possível replicá-la todos os dias, em vários locais? 

Não nos iludamos: o que pareceu uma operação humanitária não passou de uma operação de marketing, obviamente impossível de organizar todos os dias. 

Há muito tempo que venho a dizer que é preciso encontrar uma solução ‘estrutural’ para o problema dos refugiados. Numa questão destas dimensões, a boa vontade não chega. Além de que a entrada constante de novos imigrantes na Europa está a alimentar fenómenos perigosíssimos como o crescimento de partidos de extrema-direita. 

A política faz-se com a razão e não com a emoção. O gesto desumano do Governo italiano teve a enorme virtude de pôr a Europa a discutir as migrações. E a chegar aparentemente à conclusão de que o controlo tem de ser feito nas regiões de origem. 

A Europa só pode verdadeiramente ajudar os migrantes tentando fixá-los nos locais de partida ou nas proximidades, criando zonas de acolhimento, apoiando o investimento e o desenvolvimento dessas regiões. A partir do momento em que os migrantes se lançam à aventura em direção à Europa, não é possível controlar nada. 

Assim, os que defendem o prolongamento da atual situação só estão a contribuir para a ocorrência de mais naufrágios no Mediterrâneo e para estimular os confrontos racistas na Europa.