Recompra da TAP penaliza Estado

Auditoria do Tribunal de Contas revela que se agravaram as responsabilidades e diz não ser possível ‘aferir a sustentabilidade’ do negócio. Nem com as projeções feitas até 2022.

O Estado conseguiu ter mais capital na TAP e fez-se a festa. Estava cumprida uma das metas de António Costa. No entanto, o negócio envolveu a perda de direitos económicos e o agravamento das responsabilidades financeiras na transportadora. Pior: Os riscos em caso de incumprimento podem chegar aos 217,5 milhões de euros e está muito longe a certeza de que o pior não acontece. Quem o diz é o Tribunal de Contas. O processo de reprivatização e compra da TAP pode ter sido muita coisa, mas não foi «eficiente». Segundo o relatório pedido pela Assembleia da República, todo o processo de recompra foi «regular» e «eficaz», mas «não conduziu ao resultado mais eficiente» por falta de consenso político e realização de sucessivas alterações contratuais que «agravaram as responsabilidades do Estado e aumentaram a exposição às contingências adversas da empresa». 

Em suma, o relatório não deixa grande margem para dúvidas. Pode ler-se: «Com a recompra, o Estado recuperou controlo estratégico, mas perdeu direitos económicos, além de assumir maiores responsabilidades na capitalização e no financiamento da empresa». 

Fica ainda claro para o Tribunal de Contas que, olhando para a reprivatização, o Estado conseguiu satisfazer compromissos internacionais, melhorou as contas da Parpública (692 milhões de euros) e assegurou a recapitalização pelo parceiro privado (337,5 milhões de euros). Mas é preciso notar que «perdeu controlo estratégico (ao passar a deter uma posição minoritária no capital social de 34%) e garantiu dívida financeira da empresa em caso de incumprimento (615 milhões de euros)». 

No caso da recompra, o Tribunal de Contas nota, principalmente, que «o Estado recuperou controlo estratégico com a posição de maior acionista (50%), mas perdeu direitos económicos, além de assumir maiores responsabilidades na capitalização e no financiamento da empresa, agravando a exposição a contingências futuras».

TAP desvaloriza

Mais: O TdC destaca que, com a recompra, o Estado conseguiu o que queria que era aumentar a participação no capital social, que passou de 34% para 50%. Mas este aumento de participação foi acompanhado por uma diminuição dos correspondentes direitos económicos (de 34% para 5%), ao mesmo tempo que a redução da participação da Atlantic Gateway no capital social (de 61% para 45%) foi acompanhada pelo acréscimo dos correspondentes direitos económicos (de 61% para 90%). O relatório expõe ainda os «riscos» inerentes às obrigações assumidas pelo Estado e diz que «as projeções até 2022 são insuficientes» para aferir a sustentabilidade do negócio.

Antonoaldo Neves, presidente da TAP, defendeu, em resposta, que a auditoria do Tribunal de Contas é «assunto de acionista» e sublinhou, uma vez mais, que «a TAP foi lucrativa no ano passado», sendo o objetivo maior conseguir «multiplicar por sete vezes o lucro». «Como CEO da TAP tenho confiança de que vamos chegar lá. Estou confiante de que temos todas as condições para cumprir o plano de negócios e o orçamento deste ano», destacou ainda, desvalorizando os riscos referidos na análise do Tribunal de Contas. «Há riscos em todos os negócios, faz parte do negócio ter risco e todo o acionista que investe capital num negócio está ciente dos riscos».

Quem manda? No quê?

Com 50% do capital, o Estado passou a ser maioritário, mas quem manda são os privados. Apesar da tensão à esquerda, as decisões continuaram sempre a ser tomadas de forma a favorecer a companhia brasileira de David Neeleman, o norte-americano que ganhou a privatização da companhia portuguesa num consórcio com Humberto Pedrosa. A reestruturação que tem sido feita na TAP não podia, aliás, ter vindo ajudar mais o negócio da Azul, a companhia aérea detida pelo empresário. Em junho de 2015, as contas da Azul entraram no vermelho, com um prejuízo semestral de aproximadamente 53 milhões de euros. Mas vários passos dados na TAP vieram dar um novo fôlego à empresa brasileira. 

A transportadora conseguiu no ano passado a tão desejada estreia na bolsa. Foi à quarta, mas a Azul conseguiu finalmente entrar nas cotadas. A operação acabou por permitir um encaixe de 456 milhões de euros. E as contas dos últimos anos falam por si. Em 2016, a receita operacional da transportadora de Neeleman foi de 6,67 mil milhões de euros, o que representou um crescimento de 6,6% em comparação com 2015. Tempos houve em que a Azul tinha prejuízos acumulados na ordem dos 59 milhões de euros. De acordo com a imprensa brasileira, a empresa estava então numa situação muito complicada e chegou a ser obrigada a devolver 20 dos 140 aviões que faziam parte da frota. 

Uma das muitas sinergias entre as duas empresas aconteceu, aliás, a propósito das aeronaves. Em janeiro de 2016, a Azul começava a fornecer aviões à TAP, a preço de mercado – foi anunciada uma frota de 17 novos aviões fornecidos pela Azul, em regime de leasing, numa operação avaliada em 400 milhões de euros –, quando as aeronaves estavam com baixa atividade no Brasil. No entanto, os lucros deste casamento entre as duas transportadoras aéreas não ficaram por aqui. Também os voos foram alvo de alterações. Em setembro do ano passado, a Azul e a TAP amadureciam a ideia de passarem a existir cada vez mais ligações partilhadas. Ao Valor Económico, Rodgerson, presidente da Azul, fez saber que a integração era de tal ordem profunda que as companhias passavam a decidir os voos em conjunto, assim como passavam a dividir os lucros e os custos de todas as operações. Também houve várias trocas ao nível das chefias, com vários quadros de topo da Azul a transitar para a TAP. 

Houve ainda uma outra situação polémica. Quando, a meio de 2017, se soube que estava confirmada a manutenção de Lacerda Machado, «melhor amigo» de António Costa, na administração da TAP, o verniz voltou a estalar.