Mundial em camisola

Febre, colecionismo ou negócio de milhões de euros. Com a primeira jornada da fase de grupos terminada, está feita a ronda, em campo, pelos equipamentos de todas as seleções. Entre a falta que faz uma Laranja Mecânica e o revivalismo da década de 1990, eis o que se tem visto (e vestido) neste Mundial da…

Poucos anos haverá como o de França-98. França, a própria, Alemanha depois dos sucessos dos equipamentos de 1990 e 1994, Croácia com uma nova versão para o xadrez vermelho e branco, México ainda com Jorge Campos, o guarda-redes que em 1994 aterrara nos Estados Unidos com um equipamento desenhado por si próprio. Verde, amarelo, azul, rosa, laranja, em psicadélico, conta-se que para baralhar os avançados dos adversários. Mas podemos recuar mais. Até ao México-86 e às camisolas da Argentina ou da Dinamarca, ao icónico CCCP historicamente ostentado ao peito pelos jogadores de sucessivas seleções soviéticas nesse que seria o último mundial antes do desmembramento. 

Ou recuar mais ainda, a 74, na Alemanha Ocidental, e aí à memória virá aquela Laranja Mecânica, geração de ouro do futebol holandês apelidada a partir do filme de Kubrick estreado pouco antes, em 1971, mas também aquelas camisolas, o equipamento inteiro. Ou os Leopardos do Zaire naquela trágica estreia em campeonatos do mundo – nove golos sofridos contra a Jugoslávia – de que nem o ‘Leopards’ estampado na camisola o livrou. Valeram as 

camisolas e as camisolas não são pouco. Basta ver como online continuam a vender-se, ora versões vintage, por centenas de euros, ora réplicas contemporâneas. Apesar de intemporal, a camisola com que a Laranja Mecânica perdeu na final de 74 para a RFA é um desses clássicos. 

A propósito de derrotas e equipamentos, poderíamos recuar ainda mais, bem mais, até à Suíça de 54, depois do Brasil de 50, para a história de quando, depois da derrota no Maracanã para o vizinho Uruguai, a seleção brasileira trocou o equipamento branco e azul pelo amarelo que fez dela canarinha, depois de um concurso lançado a nível nacional pelo jornal Correio da Manhã, do Rio, em colaboração com a Confederação Brasileira de Futebol.

A verdade é que sucesso-sucesso, fazem os modelos datados. Veja-se o regresso da campeã alemã ao icónico modelo de 1990, recuperado para o Mundial da Rússia, agora sem o vermelho e o amarelo, com as riscas em versão preto-e-branco. Ou o aumento súbito da procura pelos equipamentos que em 1994 a Nigéria levou aos Estados Unidos, espécie de ensaio para os ziguezagues verdes e brancos (e haverá algo do mexicano Jorge Campos aqui?) com que a seleção africana se apresentou em 2018 na Rússia.

No início do mês, quando a Nike disponibilizou nas lojas o equipamento oficial da Nigéria para o Rússia-2018, as T-shirts esgotaram-se em três tempos. Ainda antes do começo do Mundial, tinham sido já vendidas três milhões de cópias e em Lagos fizeram-se filas à porta da Nike para assegurar os primeiros modelos. Prova do sucesso foi que quando as camisolas chegaram às lojas já nas ruas se passeavam réplicas compradas num mercado de contrafação que à velocidade da luz se pôs em marcha. Tendência para este verão parecem mesmo os ziguezagues verdes e brancos. 

E isto transcende os equipamentos, basta ver a fotografia. Ou pesquisar ‘Naija Collection’, a coleção apresentada pela Nike para acompanhar o equipamento da seleção nigeriana, a lembrar quase um anúncio da Kenzo. Segundo explica a marca, Naija «define um certo otimismo a apontar para o futuro – que catalizou uma nova geração de nigerianos, para celebrar a cultura vibrante da nação». 

Já a pesquisa pela coleção nacional portuguesa, por exemplo, nas páginas da Nike não dará o mesmo resultado. Mas vai sendo conhecido o lucro dos departamentos de futebol de marcas como a Nike ou a Adidas durante as competições mundiais, ainda que este ano se esperem menos expressivos, pela competição ter lugar na Rússia, como reconheceram já os responsáveis da Adidas, que há quatro anos, durante o Mundial do Brasil, vendeu três milhões de camisolas só da seleção alemã. Este ano, o preço recomendado pela Adidas para a venda da T-shirt a recuperar o design da camisola de 1990, quando a Alemanha venceu em Itália com uma seleção que tinha Lothar Matthäus como capitão, é de 89,95 euros – um aumento de 25 euros desde 2006. Angela Merkel já recebeu a sua. O resto, é fazer contas. E somar o merchandising para lá das camisolas.

A juntar aos resultados do ano passado, a Adidas é neste mundial a marca a vestir mais seleções. Doze, no total, contra as dez da Nike. Com a Puma e a Umbro também representadas, a guerra faz-se sobretudo entre estas duas primeiras. «Somos os líderes claros do mercado global no futebol», disse ainda no ano passado o CEO Kasper Rorsted ao Rheinische Post. «Em geral, espero um aumento significativo das vendas de camisolas da Adidas durante 2018 devido ao Mundial. Esperamos que as nossas equipas cheguem o mais longe possível – estamos a vestir três das favoritas, a Alemanha, a Espanha e a Argentina.»

Também o Japão, que se apresentou na Rússia com, Nigéria à parte, uma das camisolas mais originais deste Mundial, com a referência nas camisolas ao Sashiko, uma técnica tradicional de costura, originalmente usada a partir do século XVII para reforçar ou reparar as peças e que com o tempo evoluiu para efeitos decorativos. Mais uma prova de que um Mundial é muito mais do que um jogo de 11 contra 11. Mesmo que no final acabe por ganhar a Alemanha.