A direita não existe

O politicamente correto tem vindo a alastrar como uma mancha de azeite, por falta de fibra intelectual e porque os comentadores receiam ser muito criticados e perder audiências.

Em recente entrevista a Vítor Gonçalves, na RTP, Vasco Pulido Valente disse que em Portugal não existe direita.
Justificou: «O CDS está ocupado a roubar votos ao PSD, e este PSD não tem nada que ver com a direita».

Isto recordou-me duas crónicas que publiquei no Expresso ainda antes de ser diretor, portanto há mais de 35 anos.

Uma chamava-se A esquerda não existe, e a outra A direita nunca existiu.

Desde aí, a situação mudou bastante. 

Na altura em que escrevi, o PS, o PCP  e a extrema-esquerda nunca se tinham entendido para formar Governo, pelo que não existia de facto ‘uma esquerda’ – existiam vários partidos que se diziam ‘de esquerda’.

Mas com a formação da ‘geringonça’ isso mudou.

Organizou-se mesmo uma esquerda para viabilizar um Governo.

Quanto à direita, o PSD e o CDS entenderam-se várias vezes.

Foi a Aliança Democrática de Sá Carneiro e Freitas do Amaral; foi a Alternativa Democrática de Marcelo Rebelo de Sousa e Paulo Portas; foi o Governo de Durão Barroso (depois Santana Lopes) e Portas; foi Passos Coelho e o mesmo Portas.

Mas esse tempo ficou para trás. 

Agora, a principal preocupação do CDS é cavalgar a base de apoio do PSD – e, por outro lado, é difícil ver em Rui Rio um homem de direita. 

Nunca lhe ouvi, por exemplo, uma declaração convicta de apoio à iniciativa privada e de crítica à presença do Estado neste ou naquele setor. 

Não me recordo de declarações suas a favor das privatizações.

De uma forma geral é adepto do serviço público.

Ouvi-o sempre apoiar o Serviço Nacional de Saúde – e não me consta que tenha alguma vez defendido o aumento da participação dos privados nesta área.

Note-se que não estou a dizer se isso é bom ou é mau – estou apenas a dizer que não o tenho visto bater-se por causas tradicionais da direita.

E no que toca às ‘questões fraturantes’, o que tem Rio de direita? 

É a favor do aborto, a favor da eutanásia, talvez a favor do casamento gay e da adoção, a favor das salas de chuto.

Dirá Rui Rio que isso não é ser de direita ou de esquerda, é simplesmente ser ‘moderno’.

Mas isso é o que sempre disse a esquerda.

A esquerda sempre reivindicou para si o rótulo da modernidade.

Mas estas questões não se arrumam com uma palavra.

Recordo que a Igreja Católica rejeita o aborto, o casamento gay e em geral as ditas causas fraturantes… – e que muitos eleitores do PSD são católicos.

Aliás, não será por acaso que Santana Lopes anunciou agora o seu divórcio do PSD.

Entretanto, não é só no plano partidário que a direita não existe.

Nos media isso também se verifica – sendo dificílimo encontrar nos debates televisivos (ou entre os comentadores convidados para os telejornais) opiniões claramente de direita.

Nunca ouvi ninguém, por exemplo, defender Donald Trump.

É usual, nos comentários dos telejornais, haver diversidade de opiniões – mas no que respeita a Trump esse princípio é ignorado.

Gostava, por vezes, de ouvir alguém justificar algumas das suas polémicas medidas – até para haver debate e confronto de posições.

Mas não: sempre que se fala de Trump, a célebre ‘isenção’ que em princípio norteia o jornalismo fica à porta do estúdio. 

E na questão das migrações passa-se mais ou menos o mesmo.

Nunca ouvi um comentador dizer aquilo que há muito tempo venho a proclamar (e que é cada vez mais óbvio): a atual situação é insustentável.

Não interessa o que cada um de nós pensa (e considero-me uma pessoa particularmente sensível aos dramas humanos): interessa analisar as questões de forma desapaixonada e perceber o que é viável e o que não é, o que é racional e o que não é.

Ora, a situação atual só tem produzido náufragos no Mediterrâneo e estimulado a extrema-direita na Europa.

O problema dos migrantes tem de ser resolvido nas regiões de origem.
Mas quem tem a coragem de o dizer?
 
Nos inúmeros programas de debate que enxameiam os canais televisivos já alguém ouviu um comentador ter opiniões divergentes sobre Trump ou sobre os refugiados? 

Aliás, com pequenas nuances, na maior parte das questões internacionais os comentadores dizem mais ou menos o mesmo.

Não há discussões entre eles – há um monótono desfiar da mesma opinião em vários tons. 

E nas questões nacionais notam-se diferenças, mas não há coragem para assumir posições de rutura – como, por exemplo, criticar o SNS, que a par de indubitáveis aspetos positivos transformou os médicos em burocratas e os doentes em números. 

Uma das funções dos comentadores é levarem as pessoas a pensar – e, às vezes, fazerem provocações, para abanarem as verdades instituídas.

Mas quem tem hoje coragem para fazer isso?

O politicamente correto tem vindo a alastrar como uma mancha de azeite, por falta de fibra intelectual e porque os comentadores receiam ser muito criticados e perder audiências.

O ‘ar do tempo’ empurra a opinião pública para a esquerda – e, portanto, a direita não existe.

Não existe em termos políticos e quase não existe em termos de opinião.