Alexandria e a América

Nas primárias para as eleições intercalares de novembro, os moderados estão em dificuldades. A vida em Washington tenderá a tornar-se ainda mais desagradável e brutal depois delas.

Oh meu Deus, oh meu Deus, oh meu Deus». Quando a TV lhe deu a vitória nas primárias democratas do 14.º distrito congressional de Nova Iorque, Alexandria Ocasio-Cortez nem queria acreditar. Nem ela, nem o país. Aos 28 anos tinha acabado de derrotar Joe Crowley, um ‘fat cat’ democrata dono do lugar há mais de 14 anos e mais que provável futuro líder dos democratas na Câmara dos Representantes. 

Filha de um negro do Bronx e de uma imigrante porto-riquenha, Alexandria é a commodity política mais valiosa do momento. 

«Não é suposto que mulheres como eu se candidatem. Eu nasci num lugar em que o código postal determina o destino». Até há bem pouco tempo, Alexandria servia tequilas e tacos no bar Flats Fix no Bronx. O destino agora é outro: Washington. Depois das intercalares de novembro, ela será muito provavelmente a mais jovem eleita do Congresso.

Militante dos socialistas democratas – plataforma que defende o «controlo popular dos meios de produção» e vislumbra uma luta de classes na sociedade americana entre os «que têm o poder económico e a maioria da população» – a candidata faz o percurso improvável da esquerda para o sucesso. 

Não se ganha a um barão democrata do nada. E Alexandria contou a sua história de forma exemplar. Morena de olhar expressivo, mãos que falam e força oratória de um pregador, a menina pobre «que conhece o sofrimento da classe trabalhadora» explorou a clivagem entre o povo e a casta partidária. «Eles têm o dinheiro, nós temos as pessoas. Os democratas não são todos a mesma coisa». Investida pelo ethos, a candidata fez campanha a laser point com meia dúzia de propostas à esquerda, como o fim das propinas, emprego para todos e cuidados de saúde universais. Ofereceu uma visão ao eleitorado. E o eleitorado gostou.

Órfã de referências, a corrente progressista galvanizou-se. Descontando a excitação momentânea, a vitória da jovem socialista latina tem significado e confirma alguns sinais da dinâmica política norte-americana. 

A constante perda do centro político e do valor do compromisso é um desses sinais. Democratas e Republicanos têm testado a elasticidade do sistema. Os democratas lideram uma agenda marcada pela agressividade das políticas de identidade e pela crença no globalismo e na bondade do governo federal. A resposta do eleitorado republicano teve a força oposta, num regresso ao tradicionalismo jacksoniano de desprezo pelas elites, revolta contra o globalismo e obsessão pelo poder americano. 

Nas primárias para as eleições intercalares de novembro, os moderados estão em dificuldades. A vida em Washington tenderá a tornar-se ainda mais desagradável e brutal depois delas.

Trump não mudou apenas o Partido Republicano. O estilo divisivo do presidente tem empurrado mais rapidamente os democratas para a esquerda. Para um lugar onde, na verdade, a base do partido parece sentir-se à vontade: uma plataforma identitária, sociologicamente inclusiva, feminista e confiante de que o futuro lhe fará justiça – ainda que o presente seja adverso. 

Alexandria Ocasio-Cortez é, nessa perspetiva, o futuro no presente. 

A entrada meteórica de alguns protagonistas na política reforça a ideia de revolta anti-establishment. As pessoas querem novas caras e estão dispostas a apostar nelas. Nos EUA os millennials são a geração mais numerosa – 25% do total da população – e a mais heterogénea. Conhecem os segredos da tecnologia e das redes sociais. São uma força política em potência. Exemplos como os de Alexandria Ocasio-Cortez, mas também Sebastian Kurz ou Inês Arrimadas, sugerem a transição do poder dos baby boomers para os millennials. Se depender de Alexandria, a transição vai ser tempestuosa. Ela, como outros millennials, prometem «sacudir o mundo».