Oposição, precisa-se…

Rui Rio descobre num dia que «o milagre económico é uma aldrabice», e no dia seguinte ‘dança’ com António Costa.

Fosse Rui Rio um genuíno líder da oposição com um módico de carisma e António Costa estaria em maus lençóis, bastando para tanto os mais recentes episódios em que tem tropeçado, perante o silêncio cúmplice do PSD – apostado em ‘dar boleia’ ao PS no caso de a ‘geringonça’ empanar. 
Sucede, porém, que Rio faz por se desentender com o partido que supostamente dirige e com a sua bancada parlamentar, com a qual mantém uma relação tensa desde que foi eleito. 
As Jornadas Parlamentares na Guarda ilustraram o mal-estar entre os deputados e o líder, e a desautorização pública de Fernando Negrão – uma sua escolha – no caso da votação do adicional ao imposto sobre os combustíveis turvou mais ainda o ambiente, que nenhum ‘almoço a dois’ dissipa. 

Alguém convenceu Rio – ou ele convenceu-se – que subalternizando os deputados está a mostrar ‘quem manda’ e consegue ‘domesticá-los’. Um erro cujos beneficiários diretos são os partidos da ‘situação’. O PSD quase inexiste no hemiciclo.  
As deserções internas já começaram. Como foi o caso de José Matos Correia, vice-presidente da bancada, que se demitiu de coordenador do Conselho Estratégico, essa luminosa invenção de Rio a caminho do sítio das inutilidades. Aprofunda-se a descrença, enquanto se agrava a conflitualidade.
Claro que este estado de coisas é o ideal para o Governo, que utiliza a seu bel-prazer o impasse social-democrata para encobrir o que lhe convém.  
E encobre muito, prevalecendo-se da passividade de Rio, que nunca pôs em causa António Costa. O que diz bastante sobre a sua disponibilidade para ser a ‘muleta’ do Governo, antecipando um cenário de derrota em próximas legislativas.

Se Rio tivesse engenho e fibra para liderar a oposição, como lhe competia, não teria deixado ‘no tinteiro’, por exemplo, a infelicidade do primeiro-ministro em exercício, quando este aproveitou a saída da missa de homenagem às vítimas de Pedrógão Grande para dizer: «É preciso que o país se habitue a não aguardar pelas tragédias».  
A frase é, aliás, conexa com outra, proferida há um ano, no rescaldo dos fogos, ao afirmar não ter dúvidas de que «uma situação destas irá repetir-se. Não há uma solução mágica para acabar com isto». Pois não. Em assuntos sérios, não há ‘vacas que voam’ nem truques de prestidigitação que valham. 
Como então se escreveu, o Estado colapsou e voltou a colapsar, ao repetir-se mais tarde a tragédia dos incêndios, que pôs ainda mais a nu a resposta atabalhoada dos meios de socorro. 
Costa foi, afinal, igual a si próprio. Frio e distante. O gesto da Associação das Vítimas, ao não o convidar para a cerimónia evocativa da memória dos que pereceram, foi por isso elucidativo. Achará ele, em consciência, que as populações se limitam a ‘esperar sentadas’ pelas tragédias? 

A revitalização do interior e a reforma da floresta são temas tão recorrentes como improfícuos no discurso de Costa. Mas fala sempre como se fosse um recém-chegado à política, embora  não lhe falte currículo governativo, todavia omisso em incómodos com  a litoralização do território.  
Ao pactuar com o fecho continuado de serviços públicos no interior – incluindo balcões da CGD –, a desertificação prosseguirá imparável, aumentando as manchas de envelhecimento e de abandono.
Valeu às regiões sinistradas o facto de o Presidente da República – impressionado pela dimensão do inédita do desastre – ter assumido o compromisso de não permitir que o Estado se atardasse nas indemnizações às famílias das vítimas e na reconstrução das casas, para amenizar o drama dos que ficaram.    
Bastavam, aliás, ao Presidente essas causas, em estreita proximidade com as populações, para não precisar de desdobrar-se até à exaustão.

A popularidade de que Marcelo goza há muito não exige que seja omnipresente. Tão-pouco se espera que fale todos os dias, perseguido pelos jornalistas ‘pé de microfone’, como se fosse uma ‘estrela’ de rock na moda.  
Até porque o Presidente precisa de manter intacta a sua capacidade de intervir, se o regular funcionamento da democracia estiver ameaçado. Ou se Tancos continuar a ser uma farsa sem culpados.  
Ora, quando o putativo líder da oposição descobre, num dia, que «o discurso do milagre económico é uma aldrabice política», e, no dia seguinte, ‘dança’ com António Costa, cabe ao Presidente mostrar o cartão amarelo – ou mesmo o vermelho – se concluir que o jogo está viciado. 
Com o PSD em autogestão – como notou Marques Mendes na SIC –, cabe aos sociais-democratas mudarem quanto antes o destino, evitando o suicídio do partido. 
Pedro Santana Lopes – vencido mas não convencido – anunciou a separação do PSD e a criação de um novo partido. É a terceira tentativa. Será de vez?
Luís Montenegro não foi tão longe. Mas ‘saboreou’ agora o travo da ‘vindita’ do líder.  
O PSD arrisca-se, com a ‘regionalização em curso’, a ficar partido ao meio, ficando Rio com a metade da ‘província’… 
Mais grave, porém, é o país estar em autogestão, à mercê de certas corporações, e exposto à dívida pública e às ‘causas’ de género…