Turismo do Porto no centro de mega-inquérito

Uma investigação do SOL revela um outro mega-inquérito envolvendo câmaras de norte a sul do país. Com o Turismo do Porto e do Norte de Portugal no vértice, mete adjudicações e negócios de milhões em mais de meia centena de autarquias. E destacados militantes do PSD e do PS.

Turismo do Porto no centro de  mega-inquérito

Adjudicações a empresas de amigos, tráfico de influências e uso indevido dos recursos públicos. Numa altura em que o Ministério Público está a passar a pente fino os negócios do Turismo do Porto e Norte de Portugal (TPNP), uma investigação do SOL seguiu as ligações perigosas desta teia e revela quais as empresas que terão lucrado milhões de euros ao longo do último ano com o alegado esquema, que o MP suspeita ser liderado pelo presidente da entidade regional do TPNP, o antigo deputado do PSD Melchior Moreira.

O projeto das lojas interativas de turismo nos vários municípios do norte do país, que arrancou em 2013, foi o início de uma fonte de rendimentos para várias empresas do empresário José Simões Agostinho. Sempre com recurso a ajuste direto, empresas como a Tomi World e a Media 360, em conjunto, conseguiram arrecadar mais de três milhões de euros em ajustes diretos das autarquias do norte e quase 800 mil em ajustes feitos pelo Turismo do Porto e Norte de Portugal.

Outras empresas que têm levantado suspeitas à investigação são as que são detidas ou estão de alguma forma ligadas a familiares diretos do presidente da Câmara Municipal de Santo Tirso, o socialista Joaquim Couto, como é o caso da sua mulher. 

Joaquim Couto é amigo de Melchior Moreira e basta uma breve consulta no portal Base.Gov para se perceber como a maioria dos serviços prestados por empresas (como Smartwin, My Press, Make It Happen, Mediana ou WGC) ligadas a familiares de Joaquim Couto são a entidades como o TPNP e Câmaras Municipais a região – coincidentemente as mesmas que também adjudicaram serviços às empresas de José Simões Agostinho.

Há dez dias, a Polícia Judiciária do Porto fez diversas buscas de norte a sul do país com o objetivo de recolher provas, além de ter visitado a sede das empresas de José Agostinho em Viseu, também fez diligências nas instalações da Media 360, no Algarve. Além das empresas e do Turismo do Porto e Norte de Portugal, foram feitas buscas no Sporting de Braga, no Vitória de Guimarães e na Câmara de Viseu – em causa estarão os subsídios concedidos pela entidade regional aos clubes. No total, esclareceu o MP, foram feitas «16 buscas domiciliárias, 34 não domiciliárias».

A investigação suspeita que Melchior Moreira recebia contrapartidas pelo alegado tráfico de influências, tendo sido uma delas férias no Algarve sem pagar. O antigo deputado do PSD, que é presidente do TPNP desde 2009 e foi reeleito no início deste mês para mais cinco anos, disse ver como prioridade a diferenciação da região, adiantando que pretende concluir o projecto da rede das lojas interactivas de Turismo nos 86 municípios.

No inquérito do Departamento de Investigação e Ação Penal do Porto foram entretanto constituidos cinco arguidos, entre os quais Melchior Moreira, estando a ser investigados os crimes de tráfico de influência, abuso de poder, participação económica em negócio, corrupção passiva e corrupção ativa de titular de cargo público, recebimento indevido de vantagem de titular de cargo público, fraude e desvio na obtenção de subsídio, participação económica em negócio de titular de cargo político, abuso de poderes de titular de cargo político, prevaricação de titular de cargo político, peculato de titular de cargo político e falsificação de documento.

Ligação a autarca de Santo Tirso

Melchior Moreira há muito que conhece Joaquim Couto, até porque se cruzaram na Assembleia da República enquanto deputados (no primeiro Executivo de José Sócrates). O primeiro, do PSD, foi eleito por Viseu, o segundo, do PS, foi eleito pelo Porto. E, aliás, é o próprio presidente da Câmara Municipal de Santo Tirso a assumir ao SOL que conhece o presidente do Turismo do Porto e Norte de Portugal há vários anos.

A relação de entidades geridas por Melchior Moreira com empresas ligadas à família de Joaquim Couto são anteriores à própria entidade regional Turismo do Porto e Norte de Portugal – quando o antigo deputado do PSD presidiu à extinta Região de Turismo do Douro Sul já tinha adjudicado pelo menos um serviço à empresa Mediana, da qual é sócia a mulher de Couto.

Contactado pelo SOL, António Martinho, o antigo presidente da Turismo do Douro – entidade que herdou as dívidas da Turismo do Douro Sul –, admitiu ter sido confrontado com um pagamento em falta da Turismo do Douro Sul (entretanto extinta) à empresa Mediana. O valor em dívida era de cerca de 15 mil euros. Referindo não saber muito mais, limitou-se a dizer que tal dívida foi integrada no plano de pagamentos, iniciando-se o mesmo em janeiro de 2013 com mensalidades de 895 euros.

No portal Base.gov, onde constam todos os ajustes diretos e concursos públicos, pode verificar-se que desde que foi criada a Turismo do Porto e Norte de Portugal os ajustes diretos, que devem ser exceção e não regra, continuaram.
No caso da empresa SmartWin, detida por Maria Couto e um outro familiar de Joaquim Couto, esta foi constituida no ano passado e desde então apenas trabalhou, ao nível de entidades públicas, com o Turismo do Porto e Norte de Portugal – dois ajustes diretos e dois procedimentos com consulta prévia ao mercado que valeram aos cofres da empresa já dezenas de milhares de euros. Ainda na órbita do presidente da Câmara Municipal de Santo Tirso está a My Press – detida por Maria Couto e a sociedade Make it Happen. A My Press, no que respeita ao setor público, apenas prestou serviços ao Turismo do Porto e Norte de Portugal e ao Município de Barcelos. E sempre por ajuste direto. Dedicando-se ao marketing, à assessoria, à instalação de stands, à animação e dinamização, a empresa encaixou centenas de milhares de euros nos últimos quatro anos.

E o mesmo pode dizer-se da Make it Happen, que presta serviços de organização de eventos, comunicação e assessoria, e também está na esfera familiar direta do presidente da Câmara Municipal de Santo Tirso. Neste caso, a empresa, além do Turismo do Porto e Norte de Portugal, forneceu serviços ao Turismo do Algarve e municípios como Lamego, Barcelos e Caminha.

Já a Mediana, empresa à qual foram adjudicados serviços pela entidade de turismo Douro Sul, quando Melchior Moreira a presidia, também tem sido escolhida com regularidade pelo Turismo do Porto e Norte de Portugal e pelos municípios do norte para serviços de comunicação, preparação de stands e até fornecimento de móveis para exposições. Das cerca de sete dezenas de contratos feitos, quase metade foram com o TPNP e com autarquias da região.

A WGC, detida apenas pela mulher de Joaquim Couto, é outro exemplo. Criada há dois anos e tendo como objetos a animação, a assessoria, promoção e comunicação, a parametrização e seleção de fontes de pesquisa, serviços de fotografia e vídeo e a instalação de stands, apenas foi contratada pelo Turismo do Porto e Norte de Portugal e pelo Município de Barcelos, além da Presidência do Conselho de Ministros. Neste último caso, como nos restantes, tratou-se de um ajuste direto, feito em dezembro do ano passado, com um valor superior a 64 mil euros. Qual o objetivo deste contrato? A «prestação de serviços de parametrização e seleção de fontes de pesquisa, definição de perfis de informação e disponibilização eletrónica de notícias».

Se se retirarem os serviços adjudicados pelos municípios do norte e se considerar apenas os ajustes diretos feitos pelo Turismo do Porto e Norte de Portugal, as empresas relacionadas com Joaquim Couto foram as escolhidas para prestar serviços que, somados, rondam os 800 mil euros – num caso, por exemplo, foram feitos dois ajustes diretos com uma das empresas num só dia.

Confrontado pelo SOL com todas estas adjudicações e com o facto de ser uma pessoa próxima de Melchior Moreira, o autarca de Santo Tirso, que fez questão de falar através da assessoria de imprensa da Câmara, negou qualquer ligação ou favorecimento.

«O presidente da Câmara Municipal de Santo Tirso, Joaquim Couto, não tem qualquer ligação jurídico-legal com as empresas referidas. As empresas mencionadas são geridas com total independência do presidente da Câmara Municipal de Santo Tirso, pelos seus proprietários», começou por explicar, assumindo que «conhece o presidente do Turismo do Porto e Norte de Portugal há vários anos».

A concluir, no email enviado ao SOL, pode ler-se: «Destes factos não devem ser retiradas quaisquer extrapolações, nem fazer-se alguma ligação em assuntos aos quais o presidente da Câmara Municipal de Santo Tirso é alheio».

O presidente do Turismo do Porto e Norte de Portugal, por seu lado, optou por não fazer qualquer declaração invocando o segredo de justiça. A resposta às questões colocadas a Melchior Moreira pelo SOL foi enviada ontem, não pelo próprio nem pela assessoria de imprensa (que está a cargo da empresa WGC), mas pelo secretariado da Comissão Executiva.

O SOL tentou contactar Maria Couto, mas não obteve sucesso até à hora de fecho desta edição.

Lojas interativas e empresas de Viseu

Um dos pontos centrais da investigação do Ministério Público à alegada teia de influências e de corrupção é a constituição das lojas interativas de turismo nos diversos municípios. Um dos beneficiários de diversos ajustes diretos foi o empresário José Simões Agostinho.

Em 2013, ainda longe do sucesso dos placards que estão em alguns dos principais pontos do país para tirar fotos (que são enviadas para o email), a empresa Tomi World começou a trabalhar como o Turismo do Porto e Norte de Portugal numa loja interativa. E a partir daí foi a escolhida por inúmeras autarquias para abrir lojas de turismo interativas.

Questionado pelo SOL sobre qual a justificação para a Tomi ser a escolhida quando ainda não era conhecida no mercado, o empresário José Agostinho justificou que a escolha teria sido pelo sucesso no primeiro trabalho com o Turismo do Porto e Norte de Portugal. Dizendo desconhecer se Melchior Moreira o aconselhou às diversas autarquias que adjudicaram serviços à Tomi, o empresário de Viseu garantiu, no entanto, que nunca pagou qualquer contrapartida ao presidente do Turismo do Porto e Norte de Portugal por qualquer que fosse a sua intervenção.

Agostinho lembrou ainda o sucesso das máquinas da Tomi e da empresa que entretanto se expandiu, tendo até presença em países como o Brasil, garantindo que até agora tudo está a funcionar bem nas lojas interativas.

A Tomi World arrecadou desde 2013 cerca de 1,8 milhões de euros com a instalação destas lojas interativas. Mas as adjudicações diretas para estes espaços não se ficaram pela Tomi, houve outra empresa do mesmo empresário que foi sendo escolhida nos últimos anos para a instalação destes pontos de turismo. Olhando para as adjudicações diretas feitas à empresa Media 360, detida por José Agostinho e pela Smart World (tal como a Tomi World), nos últimos cinco anos, relativas à instalação de lojas, as mesmas totalizam igualmente cerca de 1,8 milhões de euros. Ao que o SOL apurou, esta última empresa, com sede em Portimão, foi já alvo de buscas neste inquérito.

Também já terão sido feitas diligências na morada de Viseu onde se encontra sedeada a Tomi World e outras empresas como a Celeuma (que também foi escolhida por alguns municípios para fazer publicidade e decorar os respetivos espaços, arrecadando mais de 30 mil euros) e a TakeMedia.

Excluindo os ajustes diretos das autarquias, só com os contratos celebrados com o Turismo do Porto e Norte de Portugal, estas empresas arrecadaram pouco menos de um milhão de euros nos últimos cinco anos.

A investigação do Ministério Público está a passar a pente fino a forma como foram feitas as adjudicações por parte das várias câmaras municipais, nomeadamente do norte do país, um número que, segundo as contas do SOL, ultrapassa as cinco dezenas.

José Agostinho, apesar de confirmar as buscas, garante que as suas empresas sempre atuaram dentro da normalidade e da legalidade, receando que suspeitas como estas possam por em causa a vida das dezenas de pessoas que lá trabalham.

Sobre o facto de terem sido contratados sempre por ajuste direto, o empresário diz ter conhecimento inclusivamente «de alguns equipamentos instalados na rede que não são vendidos pelas suas empresas».

Numa conversa telefónica, defendeu que a única intervenção do presidente da TPNP foi «na promoção da rede implementada»: «E nós limitámo-nos a fazer um trabalho».

Quanto ao primeiro serviço prestado, diz que começou com «uma proposta feita ao Turismo do Norte para vender o equipamento interativo próprio de informação urbana premiado internacionalmente».

«O dr. Melchior Moreira conheceu e pediu-nos uma proposta para fazermos uma Welcome Centre no Aeroporto Sá Carneiro», afirmou, adiantando que «a partir daí, como havia intenção de criar uma rede interativa», foi «imediatamente visitar todas as autarquias da região Norte para apresentar o trabalho das empresas». E, salienta, ofereceu os serviços não de uma, mas das várias empresas.

«E foi uma otima opção», continuou, questionado: «O que fizemos de mal? Vendemos produtos que funcionam bem…». 
José Agostinho terminou acrescentando que nunca foi pago nada ao presidente do TPNP: «Mais do que dar o nosso empenho profissional não fazemos».

Estas ligações estão a ser analisadas pelas autoridades.

Teia chega ao Braga e ao Guimarães

A Polícia Judiciária do Porto também fez diversas buscas nas instalações do SP Braga e do Vitória de Guimarães por exisitirem suspeitas relativas a contratos de patrocínio feitos pelo Turismo do Porto e Norte de Portugal com diversas entidades, entre as quais estes dois clubes da primeira divisão.

O Sporting de Braga reagiu de imediato no seu site, referindo que «como é público, o clube celebrou com a Turismo do Porto e Norte de Portugal um contrato de patrocínio com vista à promoção do País em Madrid, onde a equipa de futsal disputou, em novembro passado, a Ronda de Elite da UEFA Futsal Cup.» E adiantou que “recebeu em troca desta associação, para presença da marca nas camisolas que o clube envergou na competição, o valor de 15 mil euros (IVA incluído).»

A direção do Sporting de Braga explicou ainda que a Polícia Judiciária solicitou durante as buscas algumas informações sobre esse contrato: «Perante este requisito, o SC Braga confirmou a existência de tal contrato, que aliás foi publicamente oficializado, partilhou a documentação existente e prestou à Polícia Judiciária a sua total colaboração».

Além de invocar o segredo de justiça, Melchior Moreira – que garantiu estar de consciência tranquila – disse ontem ao SOL que, juntamente com a entidade a que preside, está a colaborar com a investigação: «O processo em causa está em segredo de Justiça e, por isso, [o presidente] não poderá prestar qualquer declaração. Mais informa que o sr. presidente e a Turismo do Porto e Norte de Portugal estão a colaborar com o Ministério Público para que tudo possa ser esclarecido a seu tempo».