Tailândia: equipas de resgate lutam contra o tempo

A previsão de chuva forte e a diminuição dos níveis do oxigénio deixaram pouca margem de manobra às autoridades.

Tailândia: equipas de  resgate lutam contra o tempo

Há 13 dias que 12 rapazes e o treinador de uma equipa de futebol se encontram encurralados numa das câmaras das grutas de Luang Nang Non, no norte da Tailândia. As autoridades tailandesas fazem todos os esforços para os resgatarem, com norte-americanos, australianos, chineses e britânicos a participarem nos esforços. As operações de resgate correm contra o tempo por as previsões meteorológicas anunciarem fortes chuvas para o fim-de-semana. Para dificultar ainda mais a situação, o nível de oxigénio no subsolo desceu para níveis alarmantes, aumentando a possibilidade de fragilidade muscular por carência de oxigénio. 

«Não podemos esperar mais por todas as condições [necessárias] por a situação se ter tornado opressiva», disse ontem o almirante dos Navy SEALs tailandeses, Aphakorn Yoo-kongkaew, aos jornalistas. «Pensámos originalmente que os jovens rapazes poderiam manter-se seguros dentro da gruta por bastante tempo, mas as circunstâncias mudaram. Temos uma quantidade de tempo limitada». 

Os riscos de se continuar à espera são maiores do que se avançar já com o resgate, mas, em conferência de imprensa ontem à tarde (24h na Tailândia), o governador da província de Chiang Rai, Narongsak Osatanakorn, garantiu que «os rapazes entraram pela entrada da caverna e vão sair pela entrada da caverna». Ao longo de sexta-feira surgiram rumores de que as autoridades poderiam tentar uma operação de resgate na noite de sexta para sábado, mas o governador negou estar-se a preparar qualquer operação para as próximas horas. «Não podem fazer mergulho neste momento», disse. Entretanto, garantiu o mesmo dirigente, as autoridades continuam a «tentar delinear o melhor plano», acrescentando que «receiam o [mau] tempo e [a falta de] oxigénio na gruta». Nos últimos dias as autoridades tinham garantido que só avançariam se tivessem «100%» de certeza de que a operação seria um sucesso e se as vidas dos rapazes e treinador não ficassem em risco.

Ontem, as operações de resgate sofreram a primeira baixa. Um mergulhador voluntário e ex-oficial da marinha tailandesa, Samarn Poona, morreu quando a sua botija de oxigénio ficou vazia enquanto atravessava uma das zonas submersas da gruta. Momentos antes tinha deixado uma das suas botijas de reserva pelo caminho – um dos planos de resgate obriga a que os mergulhadores deixem várias botijas espalhadas pelo percurso para que os rapazes possam usá-las à medida que nadam. A sua morte lançou uma sombra sobre as operações de resgate já de si complicadas.
Entretanto, as autoridades continuam a drenar a água das grutas, com 128 milhões de litros de água retirados. As bombas de drenagem estão a trabalhar 24 horas  por dia numa corrida contra o tempo que a cada minuto se torna mais difícil de ganhar. 

Sem opções de fuga

Tudo começou quando a equipa de futebol encontrou uma entrada desconhecida para as grutas. Acompanhados pelo treinador, de 25 anos, os rapazes percorreram vários quilómetros no subsolo para poderem escrever os seus nomes numa pedra, um ritual de iniciação da equipa. Sem o preverem, as fortes chuvas num dos lados da montanha rapidamente inundaram a gruta, encurralando-os a 800 metros abaixo do solo e a quatro quilómetros de distância da entrada da gruta. O percurso ficou inundado em três locais  – ou sifões, termo utilizado pela espeleologia subaquática para designar uma passagem inundada entre duas câmaras –, impedindo-os de regressar. O mais perigoso dos sifões localiza-se a 580 metros abaixo do solo. 

Sem possíveis opções de fuga, não lhes restou senão esperar que o seu desaparecimento fosse notado e que equipas de resgate fossem ao seu encontro. Assim foi quando um dos guardas do parque onde as grutas se localizam  encontrou bicicletas e mochilas abandonadas na entrada, acionando o alarme. Da noção de sequestro até verem um novo rosto, passaram-se nove dias de incerteza e de medo.

No início ainda se conseguiam ver uns aos outros, mas quando as pilhas da única lanterna que tinham chegaram ao fim, a escuridão passou a imperar. Sem comida e água, os rapazes e o treinador tiveram de aguentar a fome e a sede. Esta última, mataram-na ao beberem água potável das estalactites e da gruta. Por sorte não sofreram de hipotermia por a temperatura dentro da câmara ser de 26 graus.

A alimentação das crianças tem sido uma das grandes preocupações das equipas de resgate, que lhes têm dado barras altamente calóricas. «O metabolismo destas crianças começou a desacelerar, tiveram certamente problemas em termos da regulação térmica e o sistema imunológico, quando deixamos de comer ou temos uma alimentação inadequada, fica enfraquecido», explicou ao SOL Alexandra Bento, bastonária da Ordem dos Nutricionistas. Sobre quantos dias as crianças conseguiriam sobreviver sem comer, a bastonária esclareceu que «depende do estado nutricional e da resistência de cada indivíduo, não há uma métrica para um número de dias sem se comer», acrescentando que a «falta de hidratação coloca mais em causa a capacidade vital». A verdade é que a situação clínica de dois rapazes e do treinador se degradou na passada quinta-feira. Um relatório clínico revelou que sofrem de exaustão por desnutrição, dificultando ainda mais as operações de resgate. 

Isolados do mundo exterior, os rapazes tiveram – e ainda têm – de lidar psicologicamente com toda a situação. «É uma grande angústia, em especial se conseguirem monitorizar o tempo que decorre se tiverem relógios», explicou ao SOL João Neves, mergulhador especialista em exploração de grutas que por duas vezes  se encontrou em situações semelhantes. «É pior tê-los que não os ter. Debaixo de terra não temos qualquer referência da passagem do tempo». 

O treinador, que aos dez anos perdeu toda a sua família quando uma doença dizimou a população da sua aldeia, desempenhou um papel essencial na manutenção da saúde mental dos rapazes. No mosteiro onde foi acolhido depois da tragédia familiar, aprendeu técnicas de sobrevivência, mas também de meditação, que ensinou aos rapazes ao longo dos nove dias de isolamento. 

Para o experiente mergulhador, é «relativamente comum» os exploradores de grutas ficarem encurralados por causa da subida do nível da água, mas acontecê-lo a pessoas comuns não o é, principalmente com crianças e adolescentes. 
A rapidez das operações de resgate sempre foi um dos factores chave. Assim que o alerta foi dado, as autoridades enviaram mergulhadores tailandeses e estrangeiros percorrerem cada palmo da gruta, com visibilidade quase nenhuma ou mesmo nula. Assim que se soube que a equipa estava viva, a euforia, a festa e as lágrimas de alegria dominaram as equipas de resgate de todo o país, que nas últimas duas semanas tem estado em suspenso à espera de um desfecho com final feliz. 

Uma das primeiras decisões das autoridades foi manter em permanência junto da equipa quatro mergulhadores e uma enfermeira. «Estamos a tratar deles como se fossem nossos filhos», garantiu Narongsak Osatanakorn, governador da província de Chiang Rai. 

Os planos de resgate

As autoridades começaram imediatamente a delinear planos  alternativos para resgatar os 12 rapazes e o treinador. Entre os possíveis planos de resgate, quatro ganharam destaque. O primeiro consistia em drenar suficiente água das grutas, mas com a previsão da chuva forte perdeu exequibilidade. Ainda assim, as equipas de resgate continuam a bombear água para fora da gruta, diminuindo o seu nível em 1,5 centímetros. Este plano sofreu um pequeno revés quando um grupo de voluntários começou, inadvertidamente, a bombear água novamente para dentro da gruta. 

O segundo plano passa por ensinar os rapazes a nadar e a mergulhar, ainda que sem terem de aprender as tradicionais técnicas de mergulho por irem usar máscaras faciais, para que, acompanhados por mergulhadores dos Navy SEALs tailandeses, possam passar as áreas da gruta inundadas. As máscaras faciais foram negociadas entre o governo tailandês e a Mermaid Subsea Services, empresa de equipamento de mergulho. 

Os rapazes terão também de usar fatos, botas e capacetes, enquanto os mergulhadores se orientarão com uma corda de 8mm de diâmetro que já se encontra no local, explicou o Ruengrit Changkwanyuen, coordenador das operações de salvamento. Além da corda, os rapazes terão, à medida que avançarem no trajeto, acesso a várias botijas de oxigénio estrategicamente posicionadas. «O principal problema não é os miúdos aprenderem a mergulhar, mas as passagens estreitas onde só uma pessoa consegue passar de cada vez», explicou Neves. Mas se for uma pessoa à frente a conduzi-los, continua o mergulhador, por a visibilidade ser praticamente zero por a água estar tão turva, então é possível que a operação seja bem-sucedida. Há ainda o risco de os rapazes entrarem em pânico, retirando as máscaras.

Já o terceiro, e quase imediatamente descartado, seria esperar pelo fim da época das monções,  entre setembro e outubro, por nessa altura a água diminuir naturalmente. Mas com os níveis de oxigénio a diminuírem e com previsões de chuva, não há tempo para se esperar. Por fim, o quarto plano passava por perfurar um pequeno buraco suficientemente grande para a equipa de futebol poder passar. No entanto, este plano foi ontem excluído pela dificuldade em se encontrar locais apropriados para se avançar com os trabalhos. A coordenação das operações anunciou ontem que todos os esforços para encontrar um local apropriado falharam, não deixando outra hipótese para além da do mergulho. 

Entretanto, as equipas de resgate no exterior, com um verdadeiro acampamento montado e com a presença de mais de mil civis e militares tailandeses e estrangeiros, ensaiam exercícios de socorro para quando os rapazes saírem finalmente da gruta possam receber cuidados médicos e serem transportados para o hospital o mais rapidamente possível. Aos mergulhadores, que têm trabalhado em turnos, os voluntários dão massagens para os aliviar do esforço muscular. 

Ofertas e apoio

Surpreendendo tudo e todos, o empresário Elon Musk, conhecido por ter desenvolvido os carros elétricos Tesla e querer viajar até ao espaço, sugeriu uma quinta alternativa às autoridades tailandesas. O empresário ofereceu também o envio de recursos humanos e material para ajudar as operações de resgate. Musk propôs que os voluntários deveriam inserir um tubo de nylon, com um metro de diâmetro, na rede de grutas que seria enchido de ar, abrindo caminho para os rapazes poderem passar. Para ver se a solução é possível de pôr em prática, o empresário internacional anunciou o envio de uma equipa para o local. «Engenheiros da SpaceX e Boring Co dirigem-se amanhã [sábado] para a Tailândia para verem se podemos ser úteis ao Governo», escreveu Musk na rede social Twitter. 

Também o presidente da FIFA, Gianni Infantino, veio a público demonstrar o seu apoio aos 12 rapazes e treinador. Numa carta enviada à Federação Tailandesa de Futebol, Infantino convidou a equipa de futebol  a assistir à final do Mundial de Futebol na Rússia, confessando estar «a seguir as notícias ansiosamente». «Em nome da comunidade internacional de futebol, gostaria de expressar as minhas mais sinceras simpatias e apoio às famílias dos jogadores e treinador, bem como a minha solidariedade ao povo da Tailândia, neste momento de grande preocupação», pode ler-se na carta.

Com Tatiana Costa