A estupidez do politicamente correto

A inveja é defeito nacional e a parolice o desporto com mais adeptos e praticantes no país mais ocidental da Europa

É Verão, a temperatura começou finalmente a subir, o céu ainda tarda a descobrir, mas a seally season já brilha reluzente em todo o seu esplendor.

Esta semana, a primeira de mais de século e meio em que o Diário Notícias deixou de estar todos os dias nas bancas de Portugal, houve um outro tema que fez correr muito mais tinta e levantou um coro nacional de indignação, de deputados da Assembleia da República a deputados municipais de Lisboa, passando por comentadores e opinadores do burgo.

Sobre o fim do Diário de Notícias enquanto diário impresso e distribuído nos milhares de pontos de venda que ainda resistem país fora, muito poucos, raros mesmo, disseram de sua justiça (Pacheco Pereira e seus pares da Quadratura do Círculo e poucos, demasiado poucos mais).

O tema de eleição que criou correnteza e deu azo ao tal ‘buzinão’ nacional foi a cedência de um terreno pela Câmara Municipal de Lisboa à cantora Madonna, para que, a troco de 750 euros mensais, pudesse contar com parque privativo para 15 viaturas na concorrida zona da capital onde resolveu fixar residência, às Janelas Verdes.

Houve quem fizesse as contas e clamasse contra a injustiça tamanha da cantora ter de pagar apenas 2 euros/dia por carro parqueado quando um munícipe com dois euros não consegue melhor do que duas horitas e há parques em que por esse preço nem a uma hora chega.

Como não faltou quem, com assento parlamentar e responsabilidades partidárias, exigisse a entrega dos contratos celebrados entre a Câmara e a cantora para avaliar da legalidade e razoabilidade do negócio feito.

Ou até, e inevitavelmente, quem considerasse o acordo um escândalo, um atentado ao erário público e uma afronta inaceitável aos contribuintes portugueses.

A verdade é que, fosse qual fosse o grau de reprovação do negócio fechado entre a Câmara de Lisboa e a estrela pop mundial, a publicidade dada ao contrato de arrendamento do dito terreno foi esta semana quase correspondente em termos nacionais à publicidade que a mesma Madonna tem dado a Portugal internacionalmente.

Só que, se Madonna o tem feito pro bono e em prol da boa imagem de Lisboa (e de Portugal) no mundo – por algum motivo a capital portuguesa, e não só, aparece no topo dos guias e prémios internacionais como dos melhores, ou mesmo o melhor destino turístico europeu –, o coro de carpideiras ou vilipendiadores da decisão da Câmara remete-nos para os antípodas.

Madonna, ao simplesmente partilhar com o mundo inteiro que escolheu Portugal e Lisboa para viver com seus filhos adotivos mais novos faz mais e dá mais a ganhar à cidade e ao país do que tal corja toma somada.

Seja por isso ou pela partilha de vídeos a cantar ou a ouvir cantar o fado nos bairros típicos de Lisboa, a passear nas praias da Comporta, a assistir aos jogos do Benfica (onde os filhos treinam nas camadas mais jovens) ou da Seleção nacional.

Madonna é um ícone.

Madonna faz parte de uma elite de artistas mundialmente reconhecidos a quem qualquer cidade deveria pagar para ter como residente e, bem assim, como sua promotora ou embaixadora em todo o planeta.

É certo que é pequenino ou até provinciano dar publicidade à ida da senhora à Câmara para pedir uns lugarzinhos de estacionamento privado.

Não fica bem. É saloio.

Falando sério, quando surgiram as primeiras notícias sobre o encantamento da pop-star por Lisboa, a primeira coisa que pensei foi quem terá tido tão brilhante ideia e quanto terá custado ou quanto lhe pagarão para a senhora assentar arrais?

Será que estes críticos não se enxergam?

No primeiro Diário de Notícias, datado de quinta-feira, 29 de dezembro de 1864, lia-se no canto superior direito da sua folha única:

«Uma maravilha da industria humana existe neste momento em poder do rei de Wurtemberg. É um cavallo automato que executa todos os movimentos que podem exigir-se a um cavallo verdadeiro. Montam-no, governam-no, e presta-se a todas as phantasias da equitação. Esta preciosidade só funcciona diante de pessoas de grande intimidade do rei. Era de um bicho destes que precisava cada colaborador desta folha para fazer as suas excursões diarias».

Pois é, nem todos somos íntimos do rei. Como nem todos podemos ser Madonna, Eric Cantona, Philippe Starck, Catherine Deneuve ou John Malkovich.

E de nada adianta a inveja, a mesquinhez ou a tentativa sempre pequenina de tentar apoucar quem fez por ser grande ou simplesmente nasceu com dom ou talento para o ser.

Especialmente àqueles que, à mínima intimidade ou contacto com esses ‘reis’ e ‘rainhas’ do mundo de ontem, de hoje ou de amanhã dão corda aos sapatos e asas aos cotovelos para figurar na fotografia ou na selfie ao lado de qualquer um deles.

Sim, porque a inveja é defeito nacional e a parolice o desporto com mais adeptos e praticantes no país mais ocidental da Europa.