Uma alegre ‘casinha’ portuguesa…

Se as maiores figuras do Estado subiram ao palco para trautear a ‘casinha’ do vocalista desaparecido, é porque se trata de um fenómeno digno do Panteão

Com o regresso da Seleção a Portugal, após um comportamento baço na Rússia, o país entrou nas rotinas estivais, não sem antes algumas centenas de adeptos se terem dado à maçada de comparecerem no aeroporto para testemunharem aos jogadores a sua ‘compreensão’ pela saída precoce do Mundial. Somos assim. 

Os media, aliás, também não se fizeram rogados, e, com poucas exceções, multiplicaram-se em louvaminhas. Marcelo Rebelo de Sousa deu, aliás, o exemplo de solidariedade ativa com os futebolistas, incentivando-os a contornarem o infortúnio, porque todos temos dias menos felizes na vida e «o país vibrou, encheu as praças, por isso fico-lhes eternamente grato». Nem menos. 

Se a Seleção tivesse ido além dos oitavos, é fácil imaginar a rotatividade frenética das principais figuras do Estado, revezando-se no apoio presencial à equipa.

Somos assim. É o ‘nacional-porreirismo’ no seu grau superlativo. As ’bem-aventuranças’ pátrias passaram a recitar-se segundo a sorte das chuteiras, como se o futuro da Nação dependesse disso. 

No ‘antigamente’, a oposição acusava o Regime de prevalecer-se dos três ‘efes’ – Futebol, Fado e Fátima – como âncoras instrumentais para ‘amansar’ o povo. 

Quase meio século volvido, nunca o futebol foi tão ‘politicamente correto’ e dominante no espaço mediático, enquanto o fado, ostracizado pelos revolucionários, é já património imaterial da Humanidade. E Fátima, olhada com desdém no Verão quente de 75, até justificou um novo cardeal, por opção do Papa.

Ou seja: os três ‘efes’ estão vivos e recomendam-se, e já nem a esquerda bem-pensante os vitupera.

Não fora o desaire da Seleção, e teríamos um coro bem afinado a entoar hossanas para alimentar o orgulho nacional, como contraponto ao ‘bullying’ histórico de Catarina Martins, que arremeteu no 10 de Junho, via Twitter, para se manifestar contra a «enorme violência da expansão portuguesa», pondo em causa os feitos de Quinhentos.

Em contrapartida, ‘chegou-se à frente’ no palco do Rock in Rio para se mostrar na ‘casinha’ dos Xutos, enquanto nos bastidores do Bloco se preparava, afanosamente, o tradicional acampamento da tribo, cujo programa inclui temas tão inadiáveis como a ‘Desconstrução da Masculinidade Tóxica’.

Depois de arrasar os Descobrimentos, Catarina voltou à cena para se associar à memória de um bom ‘rockeiro’. A receita da nova cultura de esquerda despreza a História mas valoriza o ar livre, com muito rock, luzes e acampamentos participativos.  

Aliás, quando uma luzida representação do Estado – juntando o primeiro-ministro, o presidente da Assembleia da República e o Presidente da República – se deu ao incómodo de subir ao palco da Bela Vista, numa noite chuvosa, para trautear a ‘casinha’ do vocalista desaparecido, é porque se trata de um fenómeno artístico ímpar, digno do Panteão. 

Não se recomenda, por isso, que alguém cometa a heresia de achar o episódio surreal.

Mas aconteceu. E raras foram as vozes de reprovação. Ora, «como pode um Presidente não estar perto das pessoas?», interrogava-se Marcelo Rebelo de Sousa, no 10 de Junho, em Boston. E logo esclareceu que «a única forma de evitar populismos é estando perto das pessoas». 

É inegável que tem seguido esta convicção à letra, sem outro exemplo anterior – excetuando, talvez, Mário Soares, que nunca desprezava um bom ‘banho de multidão’, como ficou comprovado nas Presidências Abertas, que lhe serviam para desgastar meticulosamente o Governo do então primeiro-ministro Cavaco Silva.

Pelo contrário, Marcelo, excomungando o populismo, transformou-se no ‘escudo protetor’ de António Costa, ao substituí-lo afetuosamente sempre que ele se ausenta de férias ou chega tarde demais ao ‘teatro das operações’, quando deveria ser o primeiro.  

O chapéu-de-chuva que Costa lhe estendeu em Paris, para o abrigar da chuva noutro 10 de Junho, tem feito milagres. 

Se já tínhamos, desde 1940, o Portugal dos Pequenitos, de Bissaya Barreto e Cassiano Branco, doravante teremos para memória futura A Minha Casinha, canção popularizada pela atriz Milú e adotada nos anos 80 pelos Xutos & Pontapés, que se divertiam a fechar os concertos com ela.

Uma ‘alegre casinha’ portuguesa, onde não cabem quaisquer agruras. A festa não pode parar. De contrário, os portugueses ainda se apercebem do sarilho em que estão metidos…  

 

Nota em rodapé: o centenário Diário de Notícias passou a semanário em papel ao sétimo dia. Nos outros, refugia-se na internet. Cumpriu-se um declínio que estava traçado, desde que as vendas do jornal se fixaram em números irrisórios. Quando o DN trocou a sede histórica – e património classificado da cidade – por um condomínio quase anónimo, o desfecho era óbvio. O definhamento segue dentro de momentos…