Brasil. Abriram a janela de Lula mas ninguém a cruzou

Um magistrado de plantão, mercenário ou garimpeiro das aspirações perdidas, quase evadiu o ex-presidente.

Não passou tudo de um simulacro de liberdade e Lula da Silva continuará preso na cela de 15 metros quadrados da Superintendência da Polícia Federal de Curitiba, onde, com toda a probabilidade, assistirá às eleições nas quais seria vencedor antecipado. No começo da noite portuguesa, o juiz relator do processo que condenou o ex-presidente a 12 anos e um mês de prisão reverteu a surpreendente decisão do início da tarde, segundo a qual Lula da Silva seria libertado por via de um habeas corpus que já todas as altas instâncias brasileiras recusaram. O dia terminou no anticlímax: o líder das sondagens teve um pé na liberdade, mas de novo viu-se encurralado entre dois Brasis. E de novo foi engolido.

Aceitamos que o caso é complexo e tem reviravoltas bastantes. Contamo-lo sinteticamente. Na manhã brasileira e início da tarde portuguesa deste domingo, o juiz de plantão e desembargador no Tribunal Regional da 4ª Região, Rogério Favreto, explodiu na celebridade instantânea ao imprevisivelmente aceitar um habeas corpus apresentado por três deputados do Partido dos Trabalhadores. Favreto, de quem se veio a saber rapidamente que foi funcionário dos governos Lula e militante do seu partido, sustentou que as decisões do Supremo Tribunal Federal e Superior Tribunal de Justiça não tinham fundamento, argumentou que a participação de Lula da Silva nas eleições é imprescindível à vida democrática brasileira e sustentou que a condição de pré-candidato é suficiente para se repensar a sua liberdade. “Cumpra-se em regime de URGÊNCIA”, ordenou o homem de plantão.

Este estado de coisas, urgentíssimo, assemelhou-se quase uma evasão jurídica da cadeia. Os três deputados do habeas corpus deslocaram-se à Superintendência de Curitiba para se assegurarem de que o ex-presidente sairia este domingo da prisão. Parecia alumiar-se de novo a cavernosa perspetiva da esquerda brasileira para as eleições de outubro. A janela estava aberta, mas Lula não a atravessou. Sérgio Moro, o relator do processo Lava-Jato, foi o primeiro a agir. Declarou Favreto uma “autoridade absolutamente incompetente” para contrariar as deliberações das mais altas instâncias jurídicas. Garantiu que não permitiria a liberdade.

Jornalismo a toda a velocidade: recolheram-se testemunhos sobre Favreto; revelou-se que o magistrado tentara sancionar Moro por considerá-lo em conflito de interesses – como argumenta o PT sobre o homem que diz vestir a capa de justiceiro nacional em benefício da sua própria ambição – e, minuto a minuto, exibiram-se as primeiras manifestações dos brasileiros que pensavam que Lula regressava à luz por força de uma regra espontânea.

Superficial esperança. De novo as aspirações dos que querem regressar aos braços do mais transformador e consequente presidente brasileiro se esvaíram. O juiz relator do processo que condenou Lula da Silva a 12 anos e um mês de prisão – João Gebran Neto – interveio e suspendeu a liberdade “urgente” de Lula. O Ministério Público recorrerá e, quase certamente, vencerá.

E Neto não atacou apenas Favreto, um instantâneo apóstolo da polarização. Lançou-se ao segundo Brasil; aquele que se por momentos, este domingo, regressava a Lula. Chamou-lhe “absolutamente incompetente” e assegurou que a apoteose era farsa.

Mercenário, ou garimpeiro de uma aspiração perdida, Favreto, como Lula ou Moro, parece sintoma de um país esquartejado. De súbito odiado e amado, polarizador, Favreto escolheu a sua lei. Apenas não vingou.