O projeto populista

O grande obstáculo no caminho dos populistas tem sido Angela Merkel

Populistas do mundo, uni-vos! A voz do pregador Matteo Salvini fez transbordar os corações de demagogia com a sua visão para uma «aliança internacional populista». Os populistas europeus estão confiantes e unidos. 
Desenhou-se uma coligação populista que junta a Liga (italiana), parte do grupo de Visegrado (Polónia, República Checa e Hungria), o chanceler austríaco Sebastian Kurz e, do outro lado do Atlântico, Donald Trump. 

Simon Serfaty, um analista político, dizia que os sistemas de governo evoluíram de cidades Estado para Estados nação, e destes para Estados membros. A ambição populista é reverter a cadeia. Querem renacionalizar a política. 

Saber como lá chegam implica que se saiba de onde vêm. O ‘establishment’ partidário tende a olhar para os populismos como produtos de contexto, sem enraizamento político ou institucional de longo prazo. Isto é um erro. A progressão populista não se explica só, nem principalmente, pela estagnação da economia nem pela ameaça dos migrantes. Trump conquistou o poder numa América que Obama deixou na rota do pleno emprego. O nacional populista Jaroslaw Kaczynski comanda uma Polónia que tem cavalgado taxas de crescimento potentes e que não sabe o que é acolher imigrantes. Em Itália, onde as duas maiores crises europeias (a da moeda única e a dos refugiados) se cruzam com nepotismo, clientelismo e corrupção endémica, o populismo é um fenómeno com pelo menos 30 anos. 

As principais válvulas do motor populista são a identidade e a cultura. Para os populistas, os partidos do regime deixaram de defender o interesse nacional e utilizam o Estado como veículo de perpetuação de poder. Eles, as elites, fazem parte de uma vanguarda que ama a Humanidade, como os refugiados ou os ativistas da identidade de género, mas desprezam o povo alienando-o no seu próprio país. A ordem liberal internacional é uma construção corrupta de elites, inimigas do povo a quem os populistas dão voz. 

Este é o quadro conceptual em que os populistas operam. Como toda a visão precisa de política para se realizar, o projeto de renacionalização do eixo populista está montado em cima de objetivos concretos. Eles querem provar, ainda que com motivações diferentes, o falhanço do cosmopolitismo supranacional. Como se viu na caótica reunião do G7, como se vê na pulverização da UE e como se irá perceber com o desenrolar de uma guerra comercial que vai deixar a OMC de rastos, o desmantelamento das instituições multilaterais está em curso. (Veremos ainda como decorre a cimeira da NATO no fim do mês). Os pilares da paz e da prosperidade globais no pós-1945 estão em erosão acelerada.    

O grande obstáculo no caminho dos populistas tem sido Angela Merkel. A chanceler alemã é para muitos a primeira linha de defesa dos valores ocidentais. A líder do bloco das democracias liberais. Fragilizá-la, derrotá-la, tirá-la de cena é um objetivo comum aos populistas. Kurz adora incursões na política doméstica alemã para descredibilizar a chanceler. As lideranças húngara, polaca e italiana não perdem uma oportunidade para testar a vontade do governo alemão na Europa. E Donald Trump, na sua visionária diplomacia transacional, olha para Merkel como a encarnação de todos os demónios. Seja nas tarifas sobre os carros alemães, seja no embaixador que colocou em Berlim ou na carta que lançou a cimeira da NATO – «o continuo desinvestimento alemão na defesa compromete a segurança da Aliança e valida a posição de outros membros que vêm na Alemanha um exemplo» – confirma-se que Washington tem Merkel mais na conta de adversária do que aliada.  A Europa enfrenta uma ameaça existencial. Parar o projeto populista implica que os governos europeus desafiem a história e se unam sob uma consentida e necessária liderança da Alemanha.