«Posso abrir a porta…»

Dar as boas-vindas, com um poema, a quem chega a uma cidade é uma forma muito agradável de receber os visitantes e de os fazer sentirem-se acolhidos pelas palavras que marcam a alma e nela deixam uma impressão muito forte

Esta pintura, a seguir ao Arco da Vila, em Faro, é muito bonita, porque transcreve um excerto de um poema de António Ramos Rosa e retrata, em traços largos (traços que também parecem de Ramos Rosa), um rosto de mulher, saudando, com um pouco de poesia, quem entra naquela zona da cidade. Diz Ramos Rosa no poema completo: «Por uma fenda que abri / Como uma janela / Deixei entrar o dia/ Entrei no espaço // Estou dentro da janela / No quarto do dia / O dia é dia agora // Posso abrir a porta / Posso abrir o corpo / E deixar pousar / Devagar o corpo / No chão do dia».

O «chão do dia» é uma imagem muito bela, que remete para o dia como uma casa, que tem chão e acabará por atingir o teto no fim do dia, quando o Sol se puser no firmamento do corpo deitado, pousado no solo do dia, no solo da vida.

Dar as boas-vindas, com um poema, a quem chega a uma cidade é uma forma muito agradável de receber os visitantes e de os fazer sentirem-se acolhidos pelas palavras que marcam a alma e nela deixam uma impressão muito forte. Ser acolhidos por Ramos Rosa é, pois, um privilégio para os visitantes de Faro.

Há outras cidades que também brindam quem passa com poesia. É o caso de Sines. Sendo Al Berto natural desta cidade, há várias montras decoradas com excertos de poemas seus. De igual modo, também Lisboa tem alguns versos de poemas espalhados pelas ruas, alguns já fotografados e expostos nestas «páginas».

Viajar é, assim, também, para além da descoberta de novos locais, uma forma de descobrir novos olhares e novas pistas para ver a realidade. Contactar com outras pessoas e conhecer os seus hábitos e as suas culturas é constatar que o mundo é diverso, que nele cabem pessoas muito diferentes, com diferentes formas de ver o mundo e de o interpretar. E é através do contacto com estas realidades que enriquecemos o nosso pequeno mundo pessoal, aquele que é constituído pelas experiências que vivemos, pelas pessoas com quem interagimos, pelos sentimentos que a interação com os outros e com o mundo suscitam em nós.

É, pois, pela observação de realidades diferentes que percebemos ser possível encarar a vida de outros modos, e não ser a realidade, afinal, só aquilo que vemos nem só aquilo que imaginamos. Daí que seja importante escolher novos caminhos e por eles seguir, mesmo que apenas com o propósito de ver o que acontece, mas, sobretudo, conscientes dos motivos que nos levam a seguir esta ou aquela via. Como diz o poeta Paul Bowles: «Enquanto não se conhecer a intenção / Nenhum caminho será descoberto. / (…) / As paisagens são absurdas enquanto não se aceitam».

E o caminho torna-se mais fácil quando partilhado, quando dividido com outra pessoa, sobretudo quando ambos são cúmplices…

Maria Eugénia Leitão

Escrito em parceria com o blogue da Letrário, Translation Services