O fim da linha…

Para a maioria dos idosos, os lares representam o fim da linha. É o que nos espera a todos um dia, e daí valer a pena pensar no problema seriamente

Ainda não há muito tempo tive conhecimento de que uma doente minha, com quem estabeleci uma excelente relação médico-doente, dera entrada num lar de idosos – visto já não lhe ser possível bastar-se a si própria, e o marido, também com idade avançada, não poder garantir-lhe os cuidados de que necessitava. Foi ele, aliás, quem me informou que sua mulher gostaria de voltar a encontrar-me, por ter sido seu médico assistente durante longos anos.

Achei ser meu dever ir visitá-la, já não como médico mas como amigo, sabendo de antemão como podia ser importante a minha presença junto dela. Assim foi. Depois de me ter inteirado da morada, horários e percurso, programei a minha vida nesse sentido. Era domingo. O dia estava triste e cinzento, ameaçando chuva. Optei pelo transporte público, por desconhecer o melhor caminho para lá chegar. Não conhecia aquela zona, às portas de Lisboa mas de acesso complicado. Quando o autocarro parou junto ao terminal, o motorista – virando-se para os poucos passageiros da viagem – anunciou com voz forte: «Fim da linha!».

 

Chegado ao meu destino, deparei logo com o edifício. À entrada identifiquei-me, perguntei pela Sra. D. Rosa, e uma das funcionárias, atenciosamente, conduziu-me ao quarto onde ela e seu marido me receberam de braços abertos e de lágrimas nos olhos. Ali estivemos à conversa durante algum tempo, recordando o passado e falando do presente, nomeadamente da sua ‘nova vida’.

Ao visitar as instalações, vi de tudo um pouco – desde pessoas acamadas a pessoas autónomas, algumas na sala em frente da televisão, outras a lerem revistas e jornais, até idosos entretendo-se com computadores portáteis, o que prova que a informática não é só para gente nova. Contudo, para a maioria dos idosos, estes lares representam mesmo o fim da linha. É o que nos espera a todos um dia, e daí valer a pena refletir e pensar no problema seriamente, encarando-o olhos nos olhos.

 

Com o meu conhecimento pessoal, divido estas instituições em três grandes grupos: 

– Os lares de luxo, só para alguns, extremamente dispendiosos e inacessíveis à maioria das pessoas. São autênticos hotéis de cinco estrelas, onde há de tudo e nada falta; 

– Os lares sem qualidade alguma, sem o mínimo de condições, autênticos depósitos de idosos, para os quais a Segurança Social deve ter mão pesada, não permitindo sequer a sua ‘sobrevivência’ (sendo de admitir que alguns funcionam clandestinamente); 

– Os lares como aquele que acabei de visitar (que serão os mais frequentes), com boas instalações, bom pessoal, boas atividades, mas onde é difícil entrar pelo excesso de procura face à resposta possível.

É preciso investir nesta área, de modo a que possamos ter a velhice condigna a que temos direito. Como a abordagem terá de ser sempre multidisciplinar, todos somos necessários e qualquer ajuda será sempre bem-vinda. Saúde, Segurança Social, Misericórdias, Autarquias, Paróquias – de mãos dadas podemos fazer mais e melhor com aquilo que temos, se estivermos unidos e com espírito de solidariedade.

 

Convém ter presente que os lares não são hospitais, nem centros de saúde com internamento. São residências de idosos, como se estivessem nas suas casas. As pessoas que lá vivem podem e devem receber visitas para as manter ligadas ao mundo exterior, pois não são nenhuns leprosos, se bem que um leproso não deixa de ser um ser humano! 

E, para acabar com dúvidas de interpretação da legislação em vigor (ou eventuais equívocos), qualquer idoso a residir num lar pode continuar a pertencer ao Serviço Nacional de Saúde e a beneficiar de todas as regalias que este lhe concede, devendo apenas mudar a sua inscrição para o Centro de Saúde da área da sua nova residência. O médico do lar só pode dar resposta pontual nos casos de doença aguda, não tendo acesso aos meios complementares de diagnóstico, exclusivos do SNS.

 

A visita tinha chegado ao fim. Acompanhado pelo marido, desci a escadaria que me conduziria ao exterior. Olhando à minha volta para aquele panorama desolador e ‘engolindo em seco’, veio à minha memória aquela inscrição que se pode ler na Capela dos Ossos em Évora: «Nós ossos que aqui estamos, pelos vossos esperamos…». A vida é isto!

Ali estão idosos, seres humanos, cada um com a sua história de uma vida prestes a chegar ao fim, à espera que chegue a sua hora. No fim da linha…