Olha a Bolinha, sem carro

Este ano um dos ícones da Praia do Barril, em Tavira, foi proibido: o carrinho das bolas de Berlim do Sr. Joaquim Guerreiro. Agora os bolos não estão tão bem acondicionados.   

Olha a Bolinha, sem carro

O ponteiro do relógio marca as 16 horas e o sol continua alto e a queimar a pele de quem está deitado na areia da Praia do Barril, em Tavira. É exatamente nesse momento que Joaquim Guerreiro chega ao areal acompanhado por um pequeno carro de transportar paletes, que usa para levar duas caixas recheadas de bolas de Berlim. Na outra mão leva um guarda sol para proteger os bolos, tem um chapéu de palha na cabeça e prepara-se para mais uma tarde de trabalho.

Joaquim Guerreiro tem 58 anos e já vende bolas de Berlim naquela zona há mais de 20 anos. Joaquim contou ao SOL que foi em 1982 que iniciou o pequeno negócio e desde então, todos os anos, vende os bolos ali. «Na altura estava desempregado e pronto surgiu isto e estou por cá todos os anos consecutivos», explicou.

Mas Joaquim não é um simples vendedor de bolas de Berlim, tendo ficado conhecido pelo seu método de trabalho inovador: para transportar os bolos decidiu construir um carrinho, que é movido apenas pela força dos seus braços. Um engenho que agora não pode usar. 

A ideia apareceu quando começou «a pensar na higiene» dos produtos e também por ser «mais prático». «Foi a solução que arranjei para não pôr as caixas no chão», disse, adiantando que assim não era obrigado a carregar as caixas às costas ao longo do areal. E assim surgiu o tão conhecido engenho – feito de fibra de vidro e alumínio, está equipado com umas rodas gigantescas amarelas e um guarda-sol para fazer sombra aos alimentos e ao vendedor – que se tornou no ícone da praia.

Este ano, porém, o caso mudou de figura, e Joaquim foi proibido de utilizar o seu carrinho, vendo-se obrigado a usar aquele carro de paletes. Segundo explicou ao SOL, no início do ano – momento em que renovou a licença anual de venda – apenas lhe foi atribuído o licenciamento normal para venda, não permitindo o uso do carro.

No areal, Joaquim Guerreiro é abordado por vários clientes que, para além de querem comprar uma bola de Berlim, também o questionam sobre o seu engenho. Ao SOL afirma não saber precisar quais os motivos para esta proibição: «Não sei explicar».

Fonte da Autoridade Marítima Nacional revelou ao SOL que a legislação relativa à circulação dos carrinhos no areal sofreu alterações em 2016, com as mudanças a serem aprovadas pela resolução do Conselho de Ministros e publicadas em Diário da República a 19 de outubro de 2016. 

Segundo a mesma fonte, «a Polícia Marítima de Tavira em 2017 advertiu várias vezes o senhor», tendo o vendedor «acatado as advertências da Polícia Marítima», respeitando as ordens dadas, sempre que era chamado à atenção. «No início da época balnear 2018 foi informado que se continuasse [a usar o carrinho] ser-lhe-ia levantado o auto de contraordenação (…) e arriscava-se a perder a licença de venda», adiantou.

Todos os anos, é aberto um concurso público para atribuir as licenças de venda ambulante. Os resultados deste ano foram divulgados em janeiro. A reclamação sobre o carrinho chegou «passados 6 meses» da publicação dos resultados quando um «concorrente isolado veio reclamar,  não através dos canais normais, mas pelas redes sociais». Depois de a queixa ter sido analisada, a entidade concluiu que o veículo fazia parte de «uma atividade interdita» pelo Plano de Ordenamento da Orla Costeira Vilamoura – Vila Real de Santo António.  «Todavia, porque quisemos que o  assunto ficasse clarificado, foi em devido tempo, solicitado um parecer à APA/ARH-Algarve, que emitiu uma decisão negativa», revelou a mesma fonte, acrescentando que já «vários vendedores ambulantes solicitaram autorização para utilizarem o mesmo tipo de veículo na praia» e viram os seus pedidos serem «indeferidos».

Problemas de saúde

A lei obriga os vendedores ambulantes a carregarem as suas arcas às costas – um método que os especialistas têm deixado claro ser prejudicial para a saúde. Segundo Dina Figueiredo, fisioterapeuta e gerente da clínica Fisbem, quando é colocado muito peso de um lado do nosso corpo, o que ele irá fazer é compensar esse peso. «O que nós vamos fazer é compensar, fazemos tipo um serpentear e o maior dano da coluna será esse. Elevamos o ombro automaticamente, baixamos as costas, subimos a anca e ficamos com um posição em ‘s’ que não é de todo a melhor», explicou ao SOL, acrescentando que vai haver uma sobrecarga no resto do corpo: «Como o nosso organismo é um todo, desequilibrando uma das parcelas, vamos desequilibrar todo o resto». A fisioterapeuta advertiu também que apesar de o carrinho ser um boa opção pode provocar outras alterações a nível da postura, porque «eles vão dobrar-se, vão ficar com as costas dobradas», no entanto, neste caso «será um bocadinho mais fácil de as pessoas não compensarem tanto».

Reações 

As reações ao porquê de o carrinho ter sido proibido não tardaram a chegar e foi através das redes sociais que os banhistas se manifestaram. No dia 20 de junho, Alícia Lopes publicou no Facebook um texto a questionar o porquê de o carrinho de Joaquim ter sido proibido. O impacto foi grande e a publicação já tem quase duas mil partilhas.

 Na praia, Ana Margarida Miranda confessou ao SOL que já é tradição comprar bolas de Berlim a Joaquim. É de Cascais, tem 47 anos e há mais de 20 anos que frequenta a praia do Barril. «Os meus filhos também acham piada [ao Sr. Joaquim] porque desde pequeninos que lhe compram bolas de Berlim», revelou, acrescentando que o vendedor é «um símbolo da praia do Barril». Apesar de desconhecer as causas que levaram à proibição do carrinho, garante que este não era um incómodo para os banhistas: «Não acho que de alguma forma o carro incomodasse […] nem esteticamente, nem a nível de mobilidade. E nunca achei de forma alguma que as bolas que ele traz ali estivessem mal acondicionadas». Quanto aos bolos, confessou que preferia os que estavam armazenados no carrinho antigo: «Gostava mais das bolas que ele trazia no outro carrinho, acho que o sabor está bom na mesma, só que ele tirava [o bolo do carrinho e] depois punha aquele ‘açucarzinho’» por cima.

Luísa Faustino tem 40 anos, é de Lisboa e também partilha a opinião de Ana Margarida Miranda: «Estão é a prejudicá-lo». Também não sabe quais os motivos da proibição, mas é a favor do regresso do carrinho: «Acho que devia voltar. Sempre conheci o sr. Joaquim com o carrinho. Houve umas alterações com o passar dos anos, mas sempre teve o carrinho».

Apesar desta mudança repentina, Joaquim Guerreiro assegura que não irá desistir do negócio: «Tenho o carinho dos clientes, que me dão ânimo, apesar deste ano ter esta contrariedade, são muitos anos, são já várias gerações e muita amizade e é isso que me dá ânimo para continuar de uma ou de outra forma».