Costa vai ceder em toda a linha

No lançamento das obras de requalificação do IP3, na semana passada, António Costa disse uma coisa óbvia mas que lhe valeu críticas inflamadas da esquerda: que o dinheiro não chega para tudo.

E exemplificou: se se faz um investimento em estradas, depois não dá para atualizar carreiras (dos professores, supõe-se). 

«Quando estamos a decidir fazer esta obra estamos a decidir não fazer evoluções nas carreiras ou vencimentos» – disse textualmente o primeiro-ministro.

Por causa disto, Costa foi comparado a Passos Coelho, que trataria os portugueses com «desumanidade».
E até se falou de mau gosto, por «pôr mortos na estrada em alternativa à evolução das carreiras».

As afirmações de António Costa vinham na sequência de diversas decisões do Governo no mesmo sentido.
Além do ‘não’ às reivindicações dos professores (porventura justas mas sem margem orçamental), Costa resistiu, por exemplo, a ceder às exigências dos partidos da esquerda nas questões laborais. 
Recorde-se que o Governo avançou com uma nova lei laboral sem dar cavaco ao PCP e ao BE.
Mas temo que esta linha de cautela e bom senso esteja a chegar ao fim.

As cedências vão começar.    Na frente laboral, o PS já votou favoravelmente propostas do PCP e do BE que revertem medidas do tempo da troika, e prepara-se para ir mais longe.
Ora Mario Draghi, que não é um ‘perigoso neoliberal’, quando esteve em Lisboa há dois anos pediu explicitamente para «Portugal não só não anular as reformas feitas [pelo Governo anterior], como aprofundar algumas, em especial a do mercado de trabalho e os incentivos ao investimento».
O PS está a fazer o contrário.

Quanto à carreira dos professores, apesar do que tem dito em público, António Costa já obrigou o ministro da Educação a dar o dito por não dito e a retomar as negociações com os sindicatos – à semelhança, aliás, do que fez com o ministro da Cultura nos financiamentos às companhias de teatro.
E, no fim, o Governo acabará por render-se. 
A criação de uma comissão para reavaliar o ‘impacto orçamental’ da atualização das carreiras, foi o passo necessário para o Governo recuar ‘com honra’.
Os professores formam uma classe gigantesca – a que há que somar as respetivas famílias – e António Costa nunca desperdiçaria as dezenas ou centenas de milhares de votos que eles representam.
Assim, para além das leis laborais, António Costa vai ceder aos professores em toda a linha.
E a juntar a esta despesa virá a nova fatura dos hospitais.
De facto, com a entrada em vigor das 35 horas semanais, o Governo vai ter de pagar muitas horas extraordinárias, caso contrário instalar-se-á o caos nos serviços.
Assinale-se que tudo isto acontece numa altura em que os sinais não são bons.
A dívida do Estado bateu o recorde histórico dos 250 mil milhões de euros.
Após um período em que tendeu a baixar, ainda com Passos Coelho, e depois de Centeno ter dito que um dos objetivos do país era exatamente diminuir a dívida pública, ela recomeçou a subir.
E há outros motivos de alerta, como a subida do défice e o possível abrandamento da economia.
 Com a despesa a aumentar e a dívida a crescer, caminhamos de novo para uma situação explosiva. 

O cenário que se adivinha põe fortemente em causa o ministro Mário Centeno, sobretudo em Bruxelas. 
Sendo ele presidente do Eurogrupo, como pode apresentar maus resultados no seu próprio país?
Centeno vai ficar entalado entre Bruxelas e Lisboa.
A posição de um ministro das Finanças é difícil em qualquer época.
Lembro-me dos ataques dentro do PSD a Manuela Ferreira Leite, no Governo de Durão Barroso, pela sua intransigência quanto ao aumento da despesa.
E Vítor Gaspar não foi menos atacado pelo partido, bem como Maria Luís Albuquerque.
Nestas situações, o ministro só pode resistir se tiver o apoio incondicional do primeiro-ministro.
É o que tem acontecido com Centeno – que tem contado com o respaldo de António Costa.
Mas com a aproximação das eleições, esta situação está a chegar ao fim.
António Costa, mesmo dizendo o contrário, vai tirar o tapete ao ministro.
Nesta altura, o seu pensamento será: «Temos de fazer tudo para ganhar com maioria absoluta e depois logo se verá».

Costa é um pragmático.    As finanças públicas vão chegar às eleições numa situação desgraçada, mas a próxima legislatura será outra etapa.
Entretanto, Centeno deixará o Terreiro do Paço, o ministro das Finanças será outro, e a maioria também será outra.
A conquista do maior número de votos possível é tudo o que interessará ao primeiro-ministro daqui até ao Outono de 2019.

P.S. – No último SOL escrevi que os angolanos não gostam do PS, e que isso também explicava os sucessivos adiamentos da viagem de António Costa a Luanda. Nesta segunda-feira, o MNE angolano disse em Lisboa que Costa iria brevemente a Angola. E o MNE português adiantou que talvez isso ainda acontecesse «este Verão». Dois dias depois, de facto, a viagem era anunciada para meados de setembro.
Recorde-se que, interrogado  sobre o mesmo tema na semana anterior, o Presidente angolano respondera que estas viagens de Estado «levam tempo a preparar» e não podia haver pressas. 
Afinal, tudo foi decidido à pressa. Se calhar, para pôr fim aos rumores de que  o Governo de Luanda não gosta do Governo socialista de Lisboa…