Europeus por sua conta

Há pouco mais de um ano, num comício em Munique, a chanceler Merkel sacudiu as relações transatlânticas com a constatação do óbvio: «O tempo em que podíamos contar com os outros acabou. Os europeus têm mesmo de agarrar o destino com as suas próprias mãos». A cimeira da NATO estilhaçou as ilusões que restavam: chantageados,…

A Aliança Atlântica está em crise. Donald Trump é uma das razões. Mas não é a única.
Olhando para a história percebemos que a arquitetura de segurança europeia pós segunda guerra mundial foi definida em termos democráticos. A paz kantiana exigia democracia representativa, adesão ao direito internacional e espírito comercial. A NATO tinha como objetivo militar a contenção do comunismo – e isso implicava incluir ditaduras. Mas no seu espírito, sobretudo depois de 1989, a NATO tem sido uma aliança de democracias e uma marca de aspiração liberal capaz de rasgar o passado bélico e trágico da Europa – recorde-se a velha máxima de que as democracias não fazem guerra entre si. Não é por acaso que a vaga de alargamento europeu a leste tenha sido precedida pela expansão da NATO. Quando a Aliança avançava, a UE avançava a seguir. 

Mas alguma coisa está a mudar. Como se tem avaliado neste espaço, o liberalismo e a democracia na UE estão em erosão rápida. O nacionalismo e a xenofobia estão de regresso à política. Protagonistas do arco populista são poder na Hungria, Itália e na Turquia. Têm força crescente em França e na Alemanha. Que todos estes elementos tenham relações privilegiadas com Moscovo não deve constituir surpresa. Vladimir Putin nunca escondeu que a «derrocada da NATO seria benéfica para a Rússia». Poucos esperavam que fosse um presidente americano, e não os russos, o mais potente bulldozer na estratégia de demolição da ordem liberal.  

Como se viu em Bruxelas, Trump está convencido de que a NATO e outras instituições multilaterais servem menos os interesses dos americanos do que os de terceiros. Corrigir esse dano, sobretudo do ponto de vista orçamental, tornou-se uma obsessão para o presidente. Trump ignora que a NATO – como o G7 e outras organizações multilaterais – tenham sido criadas pelos EUA para que a ordem internacional refletisse valores liberais e a agenda de segurança americana. Mais: bramindo o custo que a NATO tem para os contribuintes americanos, Trump omite que a aliança desequilibra decisivamente o poder a favor dos EUA na competição com a Rússia e com a China, conferindo às forças americanas uma profundidade estratégica singular e o controlo do heartland europeu, a pré condição para o domínio do mundo.  
A estratégia é autodestrutiva. Iludido pelo sucesso da sua chantagem sobre os aliados, Trump julgue-se ‘um génio muito estável’. Bem vistas as coisas, força é direito.   

A NATO está ferida. E pode piorar se os aliados intuírem que Trump está a deixar cair a aliança e a UE a troco de ganhos incrementais na relação com a Rússia. 

Depois da turbulência em Bruxelas e do descalabro no Reino Unido (a relação especial afunilou e já não é entre Washington e Londres mas entre o presidente americano e os eurocéticos), todos os olhares estão agora virados para a cimeira entre Putin e Trump. Síria, Ucrânia, sanções, interferência russa nas eleições ocidentais e, sobretudo, a manutenção dos exercícios militares da aliança na Europa. Muitos temas, poucas respostas, longa lista de disputas por resolver.

É uma ironia histórica que o encontro aconteça em Helsínquia. A capital finlandesa, corria o ano de 1975, viu nascer a nova arquitetura de segurança europeia. Moscovo e Washington voltam agora à casa de partida. A disposição é que não é a mesma, é contrária à dos acordos que assinaram há 43 anos.