«Amar é ser cúmplice do delito que é viver»

Amor e amizade são, pois, as muralhas que nos defendem do exterior e, muitas vezes até, de nós próprios; são o castelo que vamos construindo e consolidando para protegermos os nossos mais íntimos segredos, aqueles que só partilhamos com pessoas especiais.

Esta fotografia, tirada na zona de Xabregas, em Lisboa, mostra uma frase que afirma: «Amar é ser cúmplice do delito que é viver». E, realmente, amar é ser cúmplice. Mas tenho dúvidas de que viver seja um delito…

No amor tem de existir cumplicidade. Tal como na amizade. Tanto o amor como a amizade exigem cumplicidade para serem verdadeiros, exigem que os amantes e os amigos se tornem unos, em torno de um ideal partilhado, de momentos vividos, de sentimentos comungados. Só havendo cumplicidade, estes sentimentos podem ter real existência.

No entanto, a cumplicidade não implica conivência, não implica que um esteja diretamente implicado no que o outro faz, não implica que apoie tudo o que é feito, dito ou sentido. Um amigo ou um amado tem de mostrar que discorda, quando não concorda com o que o outro faz ou diz, porque é sua obrigação dizer a verdade e ajudar a perceber quando erra ou está prestes a errar.

A cumplicidade está num outro patamar. Ser cúmplice implica ser muito mais do que se é. Como diz Borges: «Crucificam-me e eu tenho de ser a cruz e os pregos». A cumplicidade envolve as ideias e os sentimentos, as histórias de vida que se partilham, os momentos que, em conjunto, se vivem e, como tal, constituem património comum da relação cúmplice, que a consolidam e a tornam forte para enfrentar adversidades.

Amor e amizade são, pois, as muralhas que nos defendem do exterior e, muitas vezes até, de nós próprios; são o castelo que vamos construindo e consolidando para protegermos os nossos mais íntimos segredos, aqueles que só partilhamos com pessoas especiais.

Ora, amar é ser cúmplice da vida, mas não do delito de viver. Viver não pode ser encarado como um delito. Viver é um direito, uma obrigação, um desejo, uma fatalidade, mas nunca um delito. Viver é um direito que nos é concedido quando nos é dada vida. E é também uma obrigação, porque, sendo um direito, implica que sejamos obrigados a dar o nosso melhor e a usufruir da vida. Pode, ainda, ser um desejo ou uma fatalidade, conforme o estado de espírito com que encaramos a vida, o que é, muitas vezes, condicionado por aquilo que nos vai acontecendo e pela forma como aceitamos ou rejeitamos a «fatalidade».

Mas viver não é nunca um delito, porque, pelo facto de vivermos e de aproveitarmos a vida, não estamos a infringir nenhuma lei, não estamos a contrariar nenhuma norma. Antes pelo contrário, só não vivendo, ou seja, não vivendo verdadeiramente, não aproveitando a grande bênção de estarmos vivos, é que cometemos um delito.

É de alma limpa e coração aberto que devemos encarar a vida. Como diz Walt Whitman: «A pé e de coração leve, eu tomo a estrada aberta, / Saudável, livre, o mundo à minha frente, / O longo caminho castanho que me levará onde eu decidir». Porque é, efetivamente, onde cada um de nós decidir que o caminho da vida nos levará. E esta é uma verdade incontornável, quer queiramos, quer não; estejamos ou não a ver…

 

Escrito em parceria com o blogue da Letrário, Translation Services