Aum Shinrikyo. O culto que quis derrubar o governo japonês

O antigo líder da seita, Shoko Asahara, foi enforcado por ser o responsável máximo do atentado terrorista com gás sarin no metro de Tóquio em 1995. Outros seis membros do culto foram executados com ele.

Os procuradores chamaram-lhe «o pior criminoso da História do Japão». Shoko Asahara (ou Matsumoto Chizuo, de seu nome verdadeiro) foi executado a 6 de julho por ser o líder do culto Aum Shinrikyo (Verdade Suprema, em português), responsável por assassinatos e atentados terroristas, entre os quais o conhecido ataque com gás sarin no metro de Tóquio, em 1995, que matou 13 pessoas e feriu outras 5800. O seu percurso de vida é indissociável da história da maior organização terrorista de que há memória no Japão. 

Vinte anos depois do atentado, o país encerra um dos capítulos mais nefastos, com a execução de Asahara e de outros seis membros do culto, enforcados num centro de detenção nas proximidades da capital japonesa. Outros seis esperam destino semelhante. Asahara foi condenado à pena de morte a 15 de setembro de 2006, aguardando no corredor da morte até todos os seus recursos serem diferidos. Foi definitivamente condenado em janeiro de 2018, quando o Supremo Tribunal recusou o seu último recurso possível. O Governo do primeiro-ministro Shinzo Abe decidiu, explica o Asia Times, antecipar a execução por o imperador Akihito, no poder desde 1989, se reformar no próximo ano, inaugurando um novo período na história coletiva japonesa. Outra das razões apontadas pelo jornal prende-se com o desejo do Governo em distrair a opinião pública dos consecutivos escândalos de corrupção que têm fragilizado o Executivo, principalmente o seu líder, e da legislação controversa que será votada em breve no Parlamento. Se os objetivos do Governo eram estes, então parece ter sido bem sucedido, com a discussão em torno da legitimidade da pena de morte a assumir destaque nacional. 

Ao mesmo tempo, as famílias das vítimas do atentado revoltaram-se com a possibilidade das cinzas de Asahara serem entregues aos seus familiares – que, por sua vez, se encontram em guerra entre si -, por se correr o risco de que venham a ser utilizadas como objeto de culto. A quarta filha do líder, de 29 anos, defende que as deve receber por ter rejeitado os ideais e valores propagados pelo pai e cortado todas as relações com a família, assumindo que as deseja por razões emocionais e não ideológicas. Ao mesmo tempo, a mulher e os outros três filhos de Asahara entregaram um requerimento à ministra da Justiça, Yōko Kamikawa, para serem eles os depositários da urna com as cinzas. 

«Estes crimes imergiram as pessoas, não apenas no Japão, noutros países também, num [estado de] medo mortal e abalaram os alicerces da sociedade», disse a ministra da Justiça em conferência de imprensa depois das execuções terem sido levadas a cabo. Os atentados terroristas da Aum Shrikyo foram os primeiros desde a II Guerra Mundial no Japão. «Acho correto que tivesse sido executado», confessou Shizue Takahashi, mulher de um trabalhador do metro que morreu no atentado, em declarações à Reuters. Em contraponto, a Amnistia Internacional defendeu que a Justiça deve exigir responsabilidades, mas também respeitar os direitos humanos. «A pena de morte nunca deve ser aplicada por ser a derradeira negação dos direitos humanos», explicou Hiroka Shoji, do East Asia Researcher, em comunicado. Opinião partilhada pela porta-voz do Alto Comissariado para os Direitos Humanos das Nações Unidas, Ravina Shamdasani, que lamentou a execução dos sete membros da seita, afirmando que «é crucial aplicar a justiça», mas que a «pena de morte só contribui para a injustiça e não é mais dissuasora que outras formas de punição». 

Atentado para a História

Pelas primeiras horas da manhã de 20 de março de 1995, 15 membros da seita Aum Shinrikyo espalharam várias mochilas com gás sarin em cinco estações do metro de Tóquio. Sob as ordens de Asahara, furaram os recipientes onde o gás se mantinha, espalhando o terror. Em pouco tempo, os passageiros começaram a sufocar e a vomitar, outros ficaram cegos e paralisados. No final, morreram 13 pessoas e outras 5800 ficaram feridas, centenas delas em estado grave. As imagens dessa manhã ecoaram pelos meios de comunicação de todo o mundo. Ambulâncias e bombeiros nas entradas das estações, pessoas em estado crítico a serem transportadas em macas, agentes da polícia a controlarem o trânsito e a investigarem o que tinha acontecido. Ainda hoje essas memórias estão marcadas na memória coletiva japonesa. O mito da segurança pública tinha sido destruído. 

Nos dias que se seguiram, a polícia avançou contra o grupo, que tinha reivindicado o atentado, invadindo vários dos locais frequentados pelos seus membros, mas principalmente os locais onde o componente químico tinha sido produzido. Vários meses depois, em outubro, os tribunais japoneses decidiram abolir o grupo do seu registo de entidades religiosas, para deixar de estar protegido pela lei de liberdade religiosa, e, em 1996, o grupo anunciou falência, dissolvendo-se. Ainda assim, voltaria ao ativo, mas sob outro nome, Aleph, a partir de 2000. O atentado de Tóquio foi o momento de suprema violência do grupo e do culminar da sua expansão enquanto culto, chegando a quase dois mil membros, espalhados pelo Japão, Rússia, Austrália e até Estados Unidos. 

Das margens aos holofotes

Fundado em 1987 por Asahara, o Aum Shinrikyo assumia-se como um grupo espiritual que misturava os ensinamentos de yoga com o budismo, a que se acrescentavam alguns elementos apocalípticos do cristianismo. Mais tarde começou a atrair fanáticos, radicalizando-se. Chegou ao ponto de defender que o mundo estava prestes a acabar e que todas as pessoas estariam condenadas ao inferno, exceto aquelas que fossem mortas por membros do grupo. Começou a recrutar os seus seguidores entre a comunidade universitária e até conseguiu infiltrar as Forças de Auto Defesa do Japão, a polícia e os serviços secretos – cujos membros ocupavam altos cargos e forneciam informações a Asahara, permitindo-lhe estar sempre um passo à frente. Para financiar a organização, o líder começou a fazer negócios com a máfia japonesa, produzindo e vendendo anfetaminas e armas. A relação chegaria ao seu fim abruptamente nos dias a seguir ao atentado de Tóquio, porque os yakuza temiam que as autoridades avançassem contra todos os que tinham alguma ligação à Aum. Para mostrarem que não apoiavam a seita, os yakuza mataram à facada um dos membros em frente a jornalistas. 

A figura central sempre foi Asahara, que afirmava conseguir levitar e já ter viajado até ao futuro, para 2006, onde encontrou um mundo destruído por uma Terceira Guerra Mundial nuclear despoletada pelos Estados Unidos. Recorde-se que o Japão se tornou um dos mais fiáveis aliados de Washington no pós-II Guerra Mundial, com bases e armas nucleares no seu território. O trauma de Hiroshima e Nagasaki ainda estava presente na sociedade japonesa, com protestos contra as armas nucleares a eclodirem de tempos a tempos. Paralelamente, os meios de comunicação social começaram a dar tempo de antena a Asahara e às suas ideias, apresentando-o com um misto de reverência e humor. Em consequência, a seita ganhou notoriedade e cresceu em membros – e quem entrava já não saía e se o conseguia era sem batimentos cardíacos. 

Se a lealdade absoluta era um requisito para os fiéis, quem de fora criticasse o grupo era rapidamente neutralizado. Foi o que aconteceu em novembro de 1989, quando membros do grupo receberam ordens para assassinarem um advogado, Sakamoto Tsutsumi, a sua mulher, Satoko, e o filho de um ano, por o primeiro ter avançado com vários processos judiciais contra a seita a favor das famílias de membros. O advogado também era conhecido pela campanha pública que liderava contra a seita. Este foi o ponto de viragem para a violência se assumir como o principal traço identitário do grupo. 

Em 1990, já tinham filiais e membros na Rússia, Austrália e EUA e 24 membros concorreram para o Parlamento japonês nas eleições desse ano, não conseguindo ser eleitos. Se a via reformista tinha falhado, a via insurrecional ganhava mais apoiantes. Derrubar o Governo era a nova missão da seita, que chegou até a criar cargos de ministros sombra. 

Com os engenheiros recrutados, a organização começou a produzir gás sarin em Kamikuishiki, com relatos a referirem até o desenvolvimento de gás VX, o mais mortífero alguma vez produzido. Como primeiro ensaio, Asahara ordenou, em 1994, a libertação de sarin num bairro da cidade de Matsumoto, a 100 quilómetros de Tóquio. Dentro de um carro em andamento, alguns membros libertaram o gás, matando oito pessoas e ferindo centenas. Nesse bairro viviam juízes e os residentes que se opunham à construção de uma filial do grupo. Com o cerco das autoridades a apertar, o líder do culto dá ordens para se avançar com o atentado do metro. Asahara viria a ser encontrado pela polícia a 16 de maio de 1995, escondido numa esconderijo secreto em Kamikuishiki, e acusado de terrorismo.

No seu ressurgimento em 2000, batizada com o novo nome de Aleph, a seita renunciou à violência como arma política e aos ensinamentos de Asahara. Em 2007, a organização sofreu uma cisão liderada pelo ex-porta-voz da Aum, Fumihiro Joyu, perdendo centenas de membros, e uma outra em 2013. No entanto, a Aleph, tem, hoje, cerca de 1500 membros, com as autoridades a acreditarem que muitos continuam a venerar Asahara.