Secretas precisam de espiões e dos ‘metadados’

O Conselho de Fiscalização do SIRP avisa que as ameaças à segurança nacional ‘podem concretizar-se’ e considera ‘urgente’ a modernização dos serviços de informações, onde há falta de meios. Um ano depois da aprovação da lei, espiões continuam sem acesso aos metadados, o que dificulta a luta ao terrorismo.   

Faltam meios e espiões nas Secretas. E a impossibilidade de os serviços de informações portugueses acederem aos metadados está a comprometer a prevenção e o combate ao terrorismo. As conclusões são do Conselho de Fiscalização do Sistema de Informações da República Portuguesa, o organismo encarregue de garantir que a atividade das Secretas decorre dentro da lei.

No último parecer sobre o trabalho do SIS (a ‘secreta interna’) e do SIED (a ‘secreta’ externa) – concluído esta semana e entregue ao Parlamento na quinta-feira –, o Conselho de Fiscalização avisa que as ameaças a que Portugal está sujeito «são conhecidas e podem concretizar-se». «Sem alarmismos, temos de estar conscientes disto, trabalhando para evitar que se concretizem», lê-se ainda no documento. O texto continua os avisos, alertando que «as crescentes e diversificadas ameaças implicam uma atenção redobrada de todos os protagonistas com responsabilidades» na segurança nacional, em particular o SIS e o SIED.

«No domínio do terrorismo, das várias criminalidades organizadas, dos extremismos, da insegurança cibernética, da sabotagem, da espionagem, da subversão ou das migrações, as preocupações exigem a construção de respostas eficazes», descreve o organismo, recordando que se trata de ameaças que «não conhecem fronteiras». 

Há um ano sem metadados 
A avaliar pela análise da Comissão de Fiscalização – liderada desde dezembro por Abílio Morgado –, o contexto atual é exigente e, por isso, as Secretas precisam de mais meios e maior margem de manobra. A começar pelos metadados. É que Portugal é o único país da Europa em que os espiões não têm acesso aos dados de comunicações de suspeitos (como a localização ou as listagens de chamadas nas operadoras), apesar de a lei que lhes permite a consulta em caso de terrorismo, criminalidade organizada e espionagem ter sido aprovada em agosto do ano passado. Falta regulamentá-la e, na quinta-feira, o CDS apresentou um projeto de resolução recomendando ao Governo que «proceda à regulamentação urgente».

Para o Conselho de Fiscalização, o acesso aos metadados é «um passo da maior relevância». Por um lado, permite «a deteção tempestiva de ameaças em áreas bem determinadas da segurança nacional» e, por outro, põe os espiões portugueses em pé de igualdade com os congéneres europeus, assegurando «capacidades comuns» e acautelando «alguma reciprocidade na cooperação internacional». 

Costa prometeu espiões 
A juntar à impossibilidade de aceder aos metadados, o Conselho de Fiscalização aponta outras dificuldades com que os serviços têm de lidar, como a falta de espiões e de meios. Nas recomendações do parecer, apela-se ao «reforço dos recursos humanos», através de «recrutamentos exigentes» e pede-se uma «modernização urgente das tecnologias de informação e comunicação». Tudo isto, diz o documento, para que esteja garantida «maior eficácia» no trabalho em prol da segurança.

Os alertas para a falta de meios não são novos e têm vindo a repetir-se nos pareceres da Comissão de Fiscalização dos últimos anos. O próprio primeiro-ministro já reconheceu, aliás, que são precisos espiões. Em Novembro, na tomada de posse da atual secretária-geral do Serviço de Informações da República Portuguesa (SIRP – a estrutura que congrega o SIS e o SIED), António Costa prometeu investir na compra de equipamento e no reforço de pessoal, porque as ameaças, explicou, «são cada vez mais difusas, diversas e complexas».

E entre 2017 e 2018, as Secretas até viram as verbas aumentadas: do Orçamento do Estado deste ano saíram 14,5 milhões para o gabinete de Graça Mira Gomes (mais 2,8 milhões do que no ano passado) e o SIS e o SIED também foram reforçados, tendo recebido mais 1,4 milhões e mais 840 mil euros, respetivamente. Aumentos que, assegurou António Costa há oito meses, seriam direcionados «essencialmente para equipamento e para o reforço de pessoal, tendo em conta as atuais carências dos serviços».

No parecer sobre a atividade das Secretas em 2016, a Comissão de Fiscalização já alertava para a «saída de alguns elementos dos vários serviços», apontando mesmo o recrutamento de espiões como «o principal desafio» que se apresentava ao SIS e ao SIED. Também o relatório anterior, relativo ao primeiro semestre de 2016, insistia no mesmo ponto. «O aumento da pressão sobre a atividade dos serviços pela Europa fora implica um investimento adequado e constante nos serviços de informação portugueses», lia-se. Nas conclusões, a Comissão de Fiscalização pedia que o SIRP fosse dotado de «meios humanos, técnicos» e explicava que, caso esse investimento não fosse feito, Portugal corria o risco de «ser encarado como mais vulnerável e atrativo para a concretização de ameaças».

Antes, em 2015, o Conselho de Fiscalização já se tinha referido às dificuldades dos serviços secretos. «O serviço continuou o esforço de melhoria das suas capacidades nos vários departamentos, nomeadamente na continuação de uma maior racionalização dos recursos humanos, apesar dos fortes constrangimentos orçamentais», descrevia o parecer anual. Mais ou menos na mesma altura, o Relatório Anual de Segurança Interna (RASI), que resume e analisa a criminalidade em território nacional, avisava que a ameaça terrorista tinha conhecido «um aumento sustentado, tendo atingido um nível sem precedentes na Europa». E deixava outro alerta: a espionagem é um instrumento que está a ser cada mais utilizado: «A incerteza e a instabilidade que se verifica em vastas regiões do mundo, onde se jogam interesses estratégicos vários, favoreceu o aumento das ações de espionagem dos Estados», lia-se.

E o último RASI, de 2017, alerta para o terrorismo. O documento recorda que Portugal apresenta uma ameaça «moderada», mas lembra que «não existe imunidade no que ao terrorismo atual diz respeito», até porque o território nacional pode ser usado como «plataforma de trânsito ou apoio logístico para o recrutamento de jihadistas».

Secretas passam no teste 
Apesar dos constrangimentos e das exigências, o Conselho de Fiscalização elogia, no último parecer, o trabalho do SIS e do SIED. O organismo destaca o papel da secreta externa, que em 2017 presidiu ao Civilian Intelligence Committee da NATO: «Fê-lo de forma que reforçou a imagem positiva dos serviços de informações portugueses». Também os relatórios produzidos pelos espiões passaram no teste: são «de qualidade» e «genericamente de bom nível».