MP ignorou decisão de juiz e chamou Pinho

O juiz de instrução criminal Ivo Rosa já tinha decidido que Pinho não era arguido. Sem esperar pela resposta ao recurso interposto na Relação, o Ministério Público chamou o ex-ministro na qualidade de arguido, mas a diligência acabou anulada.

Manuel Pinho foi chamado esta semana como arguido ao Departamento Central de Investigação e AçãoPenal (DCIAP) no âmbito do caso EDP, mas acabou por sair minutos depois sem prestar declarações. A defesa invocou que o juiz de instrução Ivo Rosa tinha decidido que a constituição de arguido estava ferida de «irregularidades» processuais e que por isso era nula.

Pinho é suspeito de ter recebido cerca de 2,5 milhões de euros do saco azul do GESquando era ministro da economia de Sócrates para tomar decisões favoráveis à empresa de eletricidade, que na altura tinha o BEScomo acionista.
Ao chamar o antigo governante, o Ministério Público não acatou o despacho judicial – não esperou resposta do recurso que foi interposto junto da Relação – e continuou a tratá-lo como arguido. Algo que não podia, uma vez que até à decisão da Relação de Lisboa é a posição do juiz Ivo Rosa que se mantém em vigor, ou seja, Manuel Pinho não é arguido.

Com estes últimos acontecimentos, o processo encontra-se numa fase complexa e, caso a Relação venha a dar razão ao juiz de instrução, Manuel Pinho já não poderá responder em novo inquérito por todos os crimes, uma vez que alguns já prescreveram – restando apenas os relativos ao saco azul do GES.

A defesa pediu de imediato na terça feira a recusa dos magistrados designados para dirigir o inquérito. O SOL sabe que um dos argumentos apresentados pelo advogado Ricardo Sá Fernandes foi a falta de isenção dos procuradores do DCIAP, Carlos Casimiro e Hugo Neto – os magistrados que têm o caso em mãos.

O pedido de recusa da defesa de Manuel Pinho foi entretanto enviado ao diretor do DCIAP para que seja analisado. Além de o interrogatório ter ficado sem efeito, os dois magistrados ficam impedidos de fazer qualquer outra diligência no processo até que este incidente seja decidido.

Decisão do juiz Ivo Rosa

A nulidade da constituição de arguido decidida pelo juiz do Tribunal Central de InstruçãoCriminal Ivo Rosa teve por base «irregularidades» nos «cuidados formais» e procedimentos adotados pelos procuradores. Um dos exemplos é a audiência não ter sido realizada «imediatamente» quando Manuel Pinho foi constituído arguido ou de não lhe terem sido comunicados «os factos que lhe são imputados nem os meios de prova que sustentam essa imputação».

O magistrado decidiu ainda, como consequência, declarar a “ilegalidade e extinção” do termo de identidade e residência, medida de coação a que o ex-ministro estava sujeito.

Além de Manuel Pinho, Ivo Rosa declarou também a nulidade da constituição de arguido a Miguel Barreto, ex-diretor-geral da Energia. O ex-ministro do José Sócrates tinha sido constituído arguido no processo EDP a 03 de julho de 2017 por suspeitas de corrupção passiva, fraude fiscal e branqueamento de capitais.

O esquema do saco azul

A investigação acredita que Manuel Pinho terá recebido contrapartidas pagas por Ricardo Salgado para que, enquanto ministro, tomasse decisões que beneficiassem a EDP – da qual o BES era acionista.

As decisões de Manuel Pinho terão rendido à EDP qualquer coisa como 2,5 mil milhões de euros, desde 2007. Documentos mostram que o ex-ministro terá recebido um total de 2,1 milhões de euros do saco azul do GES, com verbas que foram pagas entre 2002 e 2014.

A grande fatia deste valor – 1,8 milhões de euros – terá saído do saco azul do GES. Tudo aconteceu durante uma década, entre 2002 e 2012, através de transferências mensais fixas de cerca de 15 mil euros. E, deste valor, 795 mil euros terão sido pagos enquanto Pinho esteve em funções no governo, entre 2005 e 2009.

O caso levou o Parlamento a aprovar por unanimidade a constituição de uma comissão de inquérito para investigar as ligações de Manuel Pinho às rendas excessivas cobradas pela EDP e ao GES. Na altura, o advogado Ricardo Sá Fernandes fez saber que o ex-ministro se iria remeter ao silêncio no Parlamento, caso não fosse ouvido pelos procuradores do Ministério Público antes da sua ida à Assembleia da República – mas não foi isso que aconteceu (ver texto ao lado). Na terça feira, depois de sair do DCIAP, Manuel Pinho seguiu para a Assembleia da República.