Bloco de notas

Ricardo Robles, Mariana Mortágua, Francisco Louçã e Catarina Martins, na sexta-feira e no sábado da semana passada, vieram defender o indefensável. E mostrar que o BE, ao fim de duas décadas de existência, tem os mesmíssimos vícios e contradições que sempre apontou aos partidos originários da democracia portuguesa, com pelo menos mais 20 anos em…

Ricardo Robles, Mariana Mortágua, Francisco Louçã e Catarina Martins, na sexta-feira e no sábado da semana passada, vieram defender o indefensável. E mostrar que o BE, ao fim de duas décadas de existência, tem os mesmíssimos vícios e contradições que sempre apontou aos partidos originários da democracia portuguesa, com pelo menos mais 20 anos em cima, e contra os quais se propôs aparecer e crescer.

Sobretudo, hipocrisia, muita hipocrisia.

O BE – fruto da justaposição da UDP, do PSR e da Política XXI – surgiu como partido de causas fraturantes, contra o sistema, antissistema.

Ganhou com isso a simpatia de jovens, também de menos jovens, de algumas minorias que finalmente passaram a ter um poderoso instrumento para se imporem à maioria, e de parte significativa da classe jornalística, que trata o BE por Bloco de Esquerda por extenso ou simplesmente por Bloco, dando-lhe logo aí um tratamento de favor em relação aos demais, já que ninguém troca o PS por Partido Socialista, o PSD por Partido Social Democrata, o PCP por Partido Comunista Português ou o CDS por Centro Democrático e Social.

 

O Bloco de Esquerda, aos poucos mas sobretudo com a ‘geringonça’, deixou de ser antissistema, passou a fazer parte do sistema e, como não era de estranhar, rapidamente instalou-se. Uma diretora-geral aqui, um consultor ali, assessores e adjuntos por ai fora, tempo de antena pago (bem pago no caso das televisões) para os mais mediáticos. Enfim, o habitual.

Veja-se o caso do seu líder de referência, Francisco Louçã, para quem Carlos Costa não tinha condições para continuar governador do Banco de Portugal até ao dia em que passou ele próprio, Louçã, a fazer parte do… Banco de Portugal. 

De então para cá, nem Louçã o político, nem Francisco o comentador com programa semanal televisivo (dos tais muito bem pagos) teceu nem mais uma criticazinha que fosse ao senhor governador e ao BdP. Ora, Carlos Costa não mudou e o BdP também não. Quem mudou foi Louçã, pois claro. Ou a sua condição: passou a fazer parte do sistema. Na linguagem dos bloquistas, passou a ser um ‘deles’, como ‘eles’, os homens do sistema contra os quais o Bloco de Esquerda surgiu e se insurgiu.

O que se passou com Ricardo Robles foi exatamente a mesma coisa.

Robles manteve o discurso do BE contra os proprietários de imóveis, esses especuladores gananciosos e senhorios impiedosos. Só que ele é um ‘deles’.

Melhor e mais elucidativo exemplo não poderia haver do que o prédio de Alfama dos manos Robles: comprado à Segurança Social, reabilitado com empréstimo da Caixa Geral de Depósitos e projeto aprovado com a celeridade desejável pela Câmara Municipal de Lisboa (hoje é assim, tudo por extenso por causa das coisas) (e com ou sem isenção do imposto Mortágua?), tentado vender com mais valias de perto de 500% em relação ao investimento feito e agora a transformar em propriedade horizontal para os seus proprietários dele poderem retirar os rendimentos que melhor lhes aprouver.

Não era preciso mais nada, nem sequer tanto, para que quem fez da luta contra a especulação imobiliária cavalo de batalha eleitoral reconhecer a incoerência e corrigir o discurso ou, para salvaguardar o partido e seus dirigentes de mais embaraços, simplesmente apresentar a sua demissão e ir à sua vida.

Robles não o fez. Preferiu convocar confrangedora conferência de imprensa em que tentou justificar o injustificável e manter-se em funções. Porque, disse ele,  não fez nada de ilegal ou de reprovável.

De ilegal, não sabemos. De reprovável, fez com toda a certeza. Sobretudo para ele próprio, Ricardo Robles, e para o Bloco.

 

Porque para o Bloco de Esquerda, o que Ricardo Robles fez foi exatamente o que o partido  e Ricardo Robles andam há anos a dizer que não pode ser feito e que a lei devia proibir e tratar como ilegal.

Ou seja, a conduta de Ricardo Robles só não é ilegal porque o Bloco de Esquerda não conseguiu vencer a batalha que Ricardo Robles encabeçou. Mas, eticamente e exatamente por isso, é reprovável!

A argumentação de Ricardo Robles é diferente de qualquer outro senhorio em quê?

Rigorosamente em nada.

Por isso, pior estiveram os dirigentes do Bloco de Esquerda, a começar por Mariana Mortágua, corada e de sorriso contrafeito quando amesquinhada pelo seu interlocutor num debate televisivo logo naquela fatídica sexta-feira. 

A continuar em Francisco Louçã, que no mesmo dia tinha o seu programa habitual na SICN e do tema obviamente não podia fugir, dizendo com um topete lamentável e um riso forçado e patético que «Ricardo Robles teve hoje a sorte da sua vida quando o PSD veio pedir a sua demissão».

A acabar em Catarina Martins, que no dia seguinte e puxando da sua larga experiência de atriz, conseguiu indignar-se com tudo e com todos os que se limitaram a expor as contradições do seu camarada Robles. 

Falha grave e fatal, porque dela jamais se livrará, mesmo que ainda tenha vindo, a meio da semana, reconhecer que cometeu um ‘erro de análise’. Um erro, sim, e crasso.

E cometeu outro, não menos grave e não menos revelador: não declarou registo de interesses  na Assembleia da República antes de votar (e de, aliás, propor) leis relativas ao arrendamento local.

E por que é grave? Porque também Catarina Martins é empresária de arrendamento local e investiu em casas para turismo de habitação. Investiu mas poucochinho, porque a grande fatia do negócio de Catarina, do marido e da família, foi financiada por fundos europeus. É verdade, pelo QREN. 

Catarina Martins já não é atriz como todos pensávamos. É empresária, como só agora ficou a saber-se. Investiu com a família 50 mil euros e recuperou quatro-casas-quatro no centro do Sabugal – os fundos da Europa (sim da União Europeia contra a qual Catarina passa a vida a clamar publicamente) financiaram os outros 137 mil euros.

Eles andam todos a brincar connosco. 

Ai andam, andam.

 

Fernando Medina, do Partido Socialista, que em matéria de casas também não deve falar muito sem bem pesar antes o que dizer, esperou 72 horas para reagir. Fez bem.

Como, aliás, teria feito bem o Partido Social Democrata em não ser tão impulsivo a atirar pedras aos vidros do telhado do vizinho – porque, como Luís Newton já devia saber, há primeiro que cuidar em não os ter.

E bem fez o Centro Democrático e Social quando no primeiro momento preferiu não atacar mas defender-se – Adolfo Mesquita Nunes esteve, aliás, bem melhor do que Assunção Cristas (que em matéria de conflito de interesses deve ter presente que o Estatuto dos Deputados também abrange os interesses dos ascendentes em linha reta).

De qualquer forma, Ricardo Robles não devia ter esperado 72 horas para apresentar a sua demissão, nem o Bloco para o demitir.

Porque, depois disso, mesmo que Ricardo Robles nunca venha a realizar as mais valias que dele inevitavelmente alguém vai retirar, este prédio de Alfama sairá sempre demasiado caro ao Bloco de Esquerda. Para Ricardo Robles e para Catarina Martins, definitivamente, já saiu.