País pobre, elites rascas…

Acontecimentos recentes fizeram-me voltar ao magnífico Salazar e os Milionários, que Pedro Jorge Castro escreveu e a Quetzal editou em 2009. A segunda leitura consolidou a ideia de quanto a correspondência revelada é fundamental para a compreensão das relações entre o dinheiro e o poder no Estado Novo.  Salvo honrosas exceções, o que ali se…

Acontecimentos recentes fizeram-me voltar ao magnífico Salazar e os Milionários, que Pedro Jorge Castro escreveu e a Quetzal editou em 2009. A segunda leitura consolidou a ideia de quanto a correspondência revelada é fundamental para a compreensão das relações entre o dinheiro e o poder no Estado Novo. 

Salvo honrosas exceções, o que ali se vê é a bajulação que os ‘grandes’ da pátria tributavam ao homem de Santa Comba. Se a vassalagem se limitasse ao «atento, venerador e obrigado», vá que não vá; mas a subserviência oscila entre a pura indigência e o endeusamento do ditador, quando tocava a embrulhar súplicas ou agradecer benesses.

Portugal foi sempre um país pobre e inculto, que dificilmente poderia produzir elites. Nunca as tivemos! Um Nobel da medicina e outro da literatura não sinalizam a existência de elites na ciência ou nas letras, e um génio do futebol não chega para elevar o país desportivo acima da vergonha de Alcochete. Camões cantou «aqueles que se vão da lei da morte libertando»… mas eram pouquíssimos. 

 

A antiga realeza está ilustrada num D. João VI de jaqueta ensebada pelas mãos lambuzadas dos bocados de frango que ia tirando dos bolsos. Fidalgos e religiosos seguiram o padrão, dando um valente contributo para a ‘piolheira’ de que D. Carlos se queixava. 

Depois, veio a República, mas o provincianismo manteve-se, só mudaram os apelidos dos que acorriam às Cortes. Entretanto, emergiu uma burguesia endinheirada, e ignorante, que comprou as terras dos fidalgos arruinados, metendo no negócio casamentos, brasões e títulos, que exibiam com jactância parola. 

Como aconteceu com as elites, capital a sério também nunca existiu, e capitalistas só de opereta. Nos anos 80, a CEE enviou dinheiro a rodos e foi… um ‘fartar vilanagem’. Ganhos providenciais na Bolsa justificaram enriquecimentos misteriosos, mas tudo ficou ‘A Bem da Nação’. Numa altura em que o sentimento de impunidade já estava ferreamente instalado, Sócrates e a sua trupe trataram de controlar a Justiça, a finança e a informação, para melhor se governarem. Não lhes faltaram aliados… e a desvergonha explodiu! 

 

Um sistema de vasos comunicantes, entre público e privado, deu livre-trânsito a uma elite de experts, hábeis na manipulação de concursos, adjudicações e contratos, em que o país perdia sempre… para os parceiros ganharem sempre. 

Uma interpretação deturpada da ‘teoria da destruição criativa’, suportada por consultores desonestos, forçou as empresas a uma escolha: ou distribuíam dividendos recorde todos os anos, ou iam para a lista negra para serem tomadas de assalto pela ‘geração Midas’. O golpe foi ensaiado com sucesso no BCP, na PT e na Cimpor, com as consequências que se conhecem. Tudo com a cumplicidade criminosa do Banco de Portugal e da CMVM, tudo sem que alguém tivesse tido a coragem de denunciar. 

A era dos prodígios foi breve, dez anos bastaram para transformar o PSI 20 na insignificância que está à vista. Os ‘iluminados’ do Compromisso Portugal estarão orgulhosos da obra que deixaram?