A história da arte mais popular de todos os tempos

Por volta das sete da manhã, pousei o livro abri a porta da rua, subi ao terraço e fui assistir ao nascer do sol

Não me peçam para explicar os motivos. Sei apenas que uma vez por ano, durante as férias de verão, acordo ao fim de muito poucas horas de sono. Com a casa mergulhada em silêncio, dirijo-me para a sala fazendo o mínimo barulho possível, pego no livro que estiver a ler e dou-lhe um bom avanço.

Se as páginas forem muito densas, no máximo consigo ler 20 ou 30 até ficar cansado. Este ano li perto de 50. Por volta das sete da manhã, pousei o livro abri a porta da rua, subi ao terraço e fui assistir ao nascer do sol. Os pássaros estavam frenéticos – faziam um enorme estardalhaço e bandos deles cruzavam o céu limpo de um lado para o outro.

Depois desta pausa, voltei para a sala e li mais 50 páginas. Às 8h30 dei a leitura por terminada.

O livro em causa era a famosa História da Arte de Ernst Gombrich, a mais popular obra do seu género. Nascido em Viena em 1909, no seio de uma família culta de origem judaica – o pai era advogado, a mãe era pianista – Gombrich viria a tornar-se um dos grandes intelectuais do século. Com a ascensão dos nazis, refugiou-se em Londres. Não foi a primeira vez que teve de sair do país para sobreviver: já na infância, durante a Grande Guerra, fora enviado com a irmã para a Suécia, onde viveram na casa de uma família cujo patriarca fazia caixões.

Em Inglaterra, Gombrich deu aulas e durante a II Guerra Mundial trabalhou para a BBC como tradutor. Foi ele quem transmitiu a Churchill que a rádio alemã anunciara a morte de Hitler. No início da década seguinte, em 1950, publicou o livro que mudaria a sua vida: A História da Arte.

Sem palavreado pretensioso nem considerações desnecessárias, a História da Arte foi pensada para interessar a um público jovem e escrita de um modo sui generis: o autor recorreu apenas às ilustrações dos livros que tinha em casa para escolher as obras de arte que incluiria. O sucesso foi tremendo. Além da celebridade, e dos avultados direitos, valeu-lhe um convite para dar aulas numa prestigiada universidade.

Às vezes acontece com certas bandas ou compositores não serem as músicas mais célebres aquelas que mais nos entusiasmam. Neste caso senti algo parecido.

Encontramos nestas páginas qualidades que seriam bem-vindas noutros livros da área: clareza, originalidade, paixão, humildade, concisão e sentido do concreto. Não é pouco. Mas A História da Arte só pontualmente atinge o brilho de outros trabalhos do autor. E faz sentido: para chegar ao maior número de pessoas, Gombrich teve de colocar-se a um nível em que fosse entendido por todos. De outra forma poderia ter escrito um livro porventura ainda mais interessante, mas nunca a História da Arte mais popular de todos os tempos