Portugal, um país atrasado sem comboios

Que interesses estarão por detrás da crónica falta de investimento nos caminhos de ferro? Faz algum sentido apostar no alcatrão?

Cavaco Silva, acusado de ter sido o ‘culpado’ do país ter ficado cheio de alcatrão, leia-se autoestradas, deixou de ser primeiro-ministro em 27 de outubro de 1995. Quando o homem de Boliqueime tomou conta do leme do país, Portugal era uma verdadeira desgraça no que a estradas diz respeito, para não falar noutros aspetos. Chegar ao Algarve, por exemplo, era uma verdadeira odisseia e, por vezes, de Lisboa a Albufeira levava-se oito horas para fazer pouco mais do que 200 quilómetros. A obra só ficou completa meses depois de Cavaco sair do poder. Independentemente do juízo político sobre o seu legado, a verdade é que Cavaco fez autoestradas completamente necessárias para o país. Seguiu-se António Guterres, o homem dos consensos, que rapidamente se fartou de ser primeiro-ministro, sendo substituído por Durão Barroso, que também não ficou muito tempo no cargo, optando por ir para Bruxelas. Como a transmissão de testemunho de Barroso para Pedro Santana Lopes não deu grande resultado, Jorge Sampaio correu com o homem do PPD e convocou eleições antecipadas. E é aí que entra o inesquecível José Sócrates que aposta de novo, em força, no alcatrão, mandando fazer autoestradas ao lado de autoestradas já existentes. Veja-se o caso da A23…

Com o fim do animal feroz, foi a vez de Pedro Passos Coelho alcançar o poder, mas este, de tão manietado pela troika, não teve tempo nem dinheiro para apostar no alcatrão. Agora temos António Costa que também não parece investir muito nas autoestradas, pois também não devem fazer falta alguma. Posto isto, vamos ao que interessa. Se Cavaco apostou tudo nas autoestradas que não existiam, qual a razão para todos os primeiros-ministros que lhe sucederam não terem olhado para o depauperado estado das linhas de comboios de Portugal? Ou melhor: depois de se terem enterrado milhões de euros em estudos para o TGV, que não avançou na altura de José Sócrates, por que não se apostou na modernização da rede ferroviária? Como foi possível deixá-la chegar ao estado miserável em que está? 

Qual a razão para não se ter investido num transporte cómodo, mais amigo do ambiente, e que leva diariamente milhares de pessoas até ao local de trabalho? Como já o disse noutras ocasiões, Cascais é um belo exemplo, mas não faltam outros, do que não se deve fazer: permitir que a linha fique tão obsoleta que se torne perigosa e ineficaz. Há uns meses, um vagão de mercadorias descarrilou algures no país, mas nunca se soube as conclusões do inquérito. Serão as linhas de caminho de ferro seguras? E o que dizer das últimas notícias que dão conta de pessoas que desmaiam nas carruagens por falta de ar condicionado; de comboios suprimidos por falta de pessoal e de condições para circularem em segurança?

Parece-me óbvio, e a qualquer pessoa normal, que o desinvestimento no transporte que melhor ligava o país é um crime. Numa época em que tanto se fala de poluição, muita dela provocada pelos carros, por que não apostar fortemente nos caminhos de ferro? Não seria também uma bela forma de ligar o Interior do país ao Litoral? E haverá melhor transporte do que o comboio? Com tantas operações stop, com tantas proibições e com o preço da gasolina a preços proibitivos, António Costa bem podia nomear alguém competente para tratar deste assunto, não perdendo, dessa forma, eventuais fundos comunitários. Ou será que, hoje como no passado, há interesses obscuros para não se investir na CP?