A saída de Pedro

Santana Lopes tem razão, o que é preciso fazer pelo país já não encontra esperança no atual PSD. Portugal precisa de partidos inconformados e o que é preciso fazer por Portugal já não tem eco no PSD. E não se diabolize a criação de um novo partido, basta lembrar que Sá Carneiro chegou a pensar…

«Algumas pessoas mudam de partido por causa das suas convicções; outras mudam de convicções por causa do seu partido».
Winston Churchill

Pedro Santana Lopes formalizou a saída do PSD, já anunciada há algumas semanas.

A carta que escreveu aos militantes deixa poucas dúvidas sobre a génese desta decisão.

Para além das suas confissões sobre a profunda ligação emocional ao partido, decorrente de um percurso comum, o mais importante é o quadro de fundo que fundamenta a sua decisão e que se pode ler na carta que tornou pública.
Cedo se retira do texto que escreveu, que ele como muitos que sempre identificaram o PSD como uma força essencialmente reformista, concluem que o partido se perdeu do ponto de vista estratégico, no labirinto da própria evolução política nacional.

Hoje, o PSD poucas diferenças apresenta do PS no dia-a-dia da prática política; e mesmo que se admita no plano governativo que o PSD nunca venha a integrar ‘geringonças’ com a esquerda, a sua atual proximidade posicional ao PS é tal, que o afasta da construção de um bloco de direita como alternativa sólida.

Mas hoje o PSD muito menos suscita, por falta de um encadear de expectativas de liderança, a motivação e esperança daqueles que há muito ignoram as eleições por não se reconhecerem nos partidos existentes.

Numa palavra, este PSD não catalisa hoje nem a emoção nem a razão que nasceram e se conservaram historicamente no imaginário do seu potencial eleitorado, pela coragem de ruturas necessárias, por um sentido estratégico que reunia transversalmente o eleitorado de direita, por uma ideia permanente de busca de modernização do país.

Hoje o PSD é europeu à outrance esquecendo o país que somos e o reposicionamento de todos os países face a alguns aspetos radicais matrizados da integração europeia.

Uma pitada de nacionalismo faz todos os países assumirem a defesa das suas especificidades próprias (até a Alemanha enviou a semana passada Juncker ao encontro de Trump para salvar as exportações da sua indústria automóvel).

Mas Portugal não negoceia, não exige, não é europeu sem necessidade de ser ultraeuropeu.

Cumprimos exemplarmente a troika, mas nada cuidámos sobre a realidade estrutural do day after.
Não tratámos da questão de como a Europa deve excecionalizar o financiamento de verdadeiros ‘planos Marshall’, complementados com soluções diversas de natureza fiscal para um país como Portugal, que não consegue crescer nominalmente como a Irlanda e que a este ritmo, alcançará o atual rendimento de Espanha em 2050.

Tão ‘europeus’ somos que não antecipámos a humilhação e, pior, o erro de permitir que Portugal fosse cobaia da primeira aplicação de uma resolução bancária, determinada pelo BCE ao BES, com as gravíssimas consequências para os recursos privados dos portugueses.

Noutro plano, existe uma sub-representação da vontade popular nos órgãos de poder.

Hoje ninguém reconhece verdadeira genuinidade eleitoral aos eleitos (com exceção do poder local e do Presidente da República) com o atual sistema partidário/eleitoral; descredibilizado, sem representação das regiões do país na supraestrutura do poder, sendo que, este PSD, que sempre foi paradigma de uma base e génese local e regional, ignora o tema.

Se Portugal é uno, como não clamar por reformas sérias para o repovoamento do território e o seu reequilíbrio, com polos de modernização industrial que não cabem nas áreas macrocéfalas?

Dois ou três setores em que, numa palavra, Portugal não precisa de partidos que vivam dos ‘êxitos’ passados.
Portugal precisa de partidos inconformados, com uma agenda onde não caiba a apatia perante a quarta ou quinta maior dívida mundial, o conformismo com o salário mínimo dos 580, a renúncia a erguermos uma estratégia para evitar que todos os anos saiam 100 mil portugueses que emigram por causa da falta de afirmação económica nacional.

Por estas razões sumárias, tem razão Santana Lopes.

O que precisa ser feito, no PSD já não encontra a esperança de mudança de vida.

Conformado com a gestão da dívida e do défice, nas boas palavras do comissário das finanças de Bruxelas sobre outra vez o ‘bom aluno’ lusitano.

Quando não basta um surto turístico circunstancial para sustentar uma economia a prazo.

Quando não se trata de apenas assegurar a tranquilidade do atual Presidente da República, patriota e popular – mas em busca de uma reeleição com números albaneses –, bastando-lhe haver Governo e uma suposta alternativa na oposição.

Tudo isto não basta.

Portugal precisa de um Partido que assuma o combate com causas e soluções sobre os problemas que impedem o crescimento do país.

Um verdadeiro partido de eleitores, reformista, moderno, ativo, espelho de setores do progresso deste tempo e não do século passado; desligado de agendas parlamentares à revelia do essencial da política: a afirmação das pessoas, das famílias, das empresas, da sociedade e não de um Estado, ainda demasiado omnipotente, omnisciente, omnipresente, cheio de empresas falidas, sinecuras e ‘marajás’ avulsos.

A demissão do Pedro Santana Lopes, só terá pleno sentido neste plano.

Sair para criar nova realidade partidária, novíssima…

Descomplicada na aproximação e adesão dos militantes; longe do ‘aparelhismo’ reproduzindo a velha ‘união nacional’, tal como no outro tempo; sem jogos de grupos de interesses; sem candidatos a eleições que não o sejam sem o crivo das primárias; sem dinheiros de proveniência duvidosa; com estrutura permanente inspetiva; longe dos vícios e de lógicas grupais de vivência secreta.

E perante uma eventual nova realidade partidária, escusam de se preocupar os analistas que por aí andam em sobressalto: o povo, esse, é soberano e a sua vontade determinará a viabilidade…

Se Portugal, afinal, for um expoente do bom Governo, na avaliação das próximas eleições, que o que está se mantenha.

Se Portugal, na responsabilidade de quem nele é soberano, ambicionar mais, que tenha a sua oportunidade.

É disto que trata a saída de Pedro Santana Lopes.

E não se diabolize a criação de um novo partido, sério, organizado, com propósito de governar.

Muito há para chamar à colação no pensamento do próprio criador do PSD.

Horas antes do acidente fatal que o levou, Francisco Sá Carneiro, teve este diálogo contado por Diogo Freitas do Amaral (A Transição para a Democracia – Memórias Políticas II – 1976-1982); dizia Sá-Carneiro, analisando o pós-eleição presidencial: «O que se vai passar a seguir é fácil de prever: alguém do meu partido vai aceitar ser primeiro-ministro com o Eanes. Nessa altura eu abandonarei o PSD e ficarei uns tempos fora da política a deixá-los espetarem-se.

Aí [Freitas do Amaral] eu intervim:

– Por mim, farei o mesmo. Até porque o CDS também vai querer ficar no Governo, mas eu não…

E Sá-Carneiro continuou:

– Não dou mais de seis meses a um ano a esse governo. O Eanes e o Conselho da Revolução não o deixarão governar. Quando isso se tornar patente, fundarei um novo partido, e estou certo que as bases do PSD virão comigo.

E depois acrescentou:

– E você Diogo? Aceitaria fazer parte desse novo partido?

Respondi imediatamente [Freitas do Amaral]: 

– É claro que sim Francisco. Não hesitava um minuto.

Sá Carneiro fez um grande sorriso, puxou uma nova fumada no seu charuto, e rematou:

– Finalmente estaríamos ambos no mesmo partido».

Dizia-se que Francisco Sá Carneiro costumava ter razão antes do tempo.

As premonições às vezes demoram decénios a realizarem-se.

Carlos Pinto, ex-autarca do PSD